
Resumo
O sistema tributário brasileiro sobre o consumo sempre foi marcado pela complexidade e pela singularidade extrema, dificultando qualquer tipo de alinhamento com boas práticas internacionais. Ao contrário do que se verifica no campo do Imposto de Renda — em que o Brasil participa de fóruns multilaterais e tem buscado aproximação com os padrões da OCDE —, a tributação do consumo brasileira permaneceu isolada, sem comparativos possíveis e sem capacidade de aprender com a experiência de outros países. A aprovação da Reforma Tributária (EC 132/2023 e LC 214/2025), com a criação do IBS e da CBS, representa uma oportunidade histórica de integração ao debate global sobre sistemas de IVA, benchmarking e aprendizado institucional
- Introdução
A singularidade do sistema de tributação sobre o consumo no Brasil sempre foi vista como um dos seus principais problemas. A convivência de cinco tributos sobre bases similares, com regras de incidência divergentes (PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI), gerou um modelo disfuncional, litigioso e opaco. Mais do que isso: um modelo incomparável internacionalmente, o que impedia o Brasil de participar dos fóruns técnicos globais sobre boas práticas tributárias.
Com a Reforma Tributária do consumo, o país dá um passo decisivo para superar esse isolamento. Ao adotar um modelo de IVA dual com base ampla e incidência no destino, o Brasil se aproxima das diretrizes defendidas por organismos como a OCDE e se habilita, pela primeira vez, a aprender com a experiência de outros países — algo que nunca foi possível em matéria de consumo.
- Um sistema único e solitário
A originalidade brasileira na tributação do consumo sempre teve um custo alto. Por décadas, o país foi tratado como caso exótico por especialistas internacionais. Modelos de IVA são adotados em mais de 170 países — cada um com suas peculiaridades, é verdade —, mas todos com elementos comuns: base ampla, tributação no destino, crédito financeiro, não cumulatividade real, e incidência uniforme.
O Brasil não seguia nenhuma dessas premissas. Pior: o modelo vigente impedia o uso de indicadores internacionais como referência. Não era possível aplicar benchmarking, nem medir alíquotas efetivas de forma confiável, nem muito menos simular efeitos macroeconômicos a partir de modelos utilizados por outros países. O isolamento era metodológico, conceitual e operacional.
- O contraste com o Imposto de Renda
No campo do Imposto de Renda, a situação é diferente. Ao longo das últimas décadas, o Brasil buscou se alinhar a normas internacionais, participando de fóruns da ONU, da OCDE e do G20. A Receita Federal passou a atuar em grupos de trabalho técnicos, promoveu reformas regulatórias e buscou adaptar regras de preços de transferência, CFC rules, transparência fiscal e combate à evasão.
Essa participação ativa gerou ganhos importantes: o Brasil passou a influenciar (e ser influenciado por) os debates internacionais. Isso favoreceu a modernização do sistema, aumentou a previsibilidade e facilitou a interlocução com empresas multinacionais.
Esse mesmo movimento não foi possível na tributação sobre o consumo, porque não havia interlocução possível: nosso modelo simplesmente não tinha paralelo no mundo.
- A Reforma como ponto de virada
A aprovação da Emenda Constitucional nº 132/2023 e da LC nº 214/2025, com a criação do CBS e do IBS, abre uma janela de oportunidade inédita. O novo sistema se estrutura como um IVA moderno: base ampla, cobrança por fora, direito amplo a crédito, incidência no destino e tributação de bens e serviços de forma unificada.
Com isso, o Brasil pode — pela primeira vez —:
• Comparar sua carga tributária efetiva com a de outros países;
• Aplicar modelos internacionais de análise de impacto setorial;
• Participar de fóruns da OCDE, FMI e Banco Mundial sobre IVA;
• Aproveitar experiências internacionais bem-sucedidas (como a Índia, que também implementou um IVA dual após longa transição);
• Evitar erros já cometidos por outros países em suas reformas;
• Adotar indicadores e métricas reconhecidas globalmente.
A repercussão recente na imprensa nacional sobre a estimativa da alíquota padrão do novo sistema — apontada como potencialmente a mais alta do mundo — ilustra, de forma clara, como a integração internacional gera um novo tipo de conscientização pública. Antes, mesmo com uma das maiores cargas tributárias globais, a opacidade do sistema impedia esse tipo de comparação. Agora, com um modelo mais transparente e alinhado aos padrões internacionais, será possível envolver a sociedade em um debate mais qualificado sobre carga tributária versus qualidade dos serviços públicos, promovendo uma relação mais consciente entre tributo e contraprestação estatal.
Além disso, a reforma permite ao Brasil não apenas importar boas práticas, mas também exportar inovações. O modelo de split payment, previsto na nova legislação e ainda objeto de debate interno, representa um instrumento de controle e rastreabilidade tributária que — embora alvo de críticas — desperta interesse de especialistas internacionais. Tal como ocorreu com inovações brasileiras no setor bancário, como o PIX e os modelos de interoperabilidade do sistema financeiro, o país pode ocupar posição de protagonismo propondo soluções tecnológicas e operacionais que inspirem reformas em outras jurisdições. Alguns países europeus já demonstram interesse na experiência brasileira com o split payment, o que reforça o potencial do Brasil de contribuir ativamente com o avanço global da política tributária.
- O exemplo da Índia
A Índia compartilhou por muito tempo o lugar de “pária do IVA” com o Brasil, dada a complexidade e o excesso de tributos sobre o consumo nos estados e municípios. A implementação do Goods and Services Tax (GST) em 2017 foi um divisor de águas: apesar de enfrentar desafios federativos, o país passou a participar dos fóruns internacionais de boas práticas e a desenvolver sua política fiscal com base em experiências comparáveis.
Hoje, a Índia colhe os frutos desse alinhamento: maior transparência, expansão da base, crescimento da arrecadação com menor litigiosidade e maior confiança dos investidores internacionais.
- Conclusão
A reforma brasileira tem muitos desafios pela frente, mas representa uma ruptura positiva com o passado. Pela primeira vez, o Brasil poderá aprender com os erros e acertos de outros países e contribuir para o debate global sobre a tributação do consumo. Abandona-se a solidão normativa de um sistema autárquico para ingressar em uma comunidade internacional que troca experiências, produz dados comparáveis e discute continuamente como tributar de forma mais eficiente, justa e transparente.
Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.