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A reforma tributária e as profissões regulamentadas: quando a redução de alíquota se aplica?

Reprodução: Freepik.

Por Vitor Canivello

A Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a nova tributação sobre o consumo no Brasil, prevê hipóteses de redução de alíquota da CBS e do IBS para determinados setores e atividades. Entre essas hipóteses, o art. 103, II, trata da redução de 30% da alíquota padrão para serviços prestados por pessoas naturais habilitadas ao exercício de profissão regulamentada, desde que a atividade seja relacionada à habilitação profissional, conforme exigido pelo §1º do mesmo artigo. Essa regra alcança, especialmente, as profissões listadas no art. 127 da LC 214/2025, que são: advocacia, arquitetura e urbanismo, arquivologia, contabilidade, economia, enfermagem, engenharia, estatística, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, jornalismo, medicina, medicina veterinária, museologia, nutrição, odontologia, psicologia, química, serviço social e terapia ocupacional, além da administração.

Contudo, a aplicação da redução de alíquota não é automática. A norma deixa claro que a redução se aplica exclusivamente às atividades relacionadas à habilitação profissional do prestador. Ou seja, o simples fato de uma pessoa estar regularmente habilitada a exercer uma profissão regulamentada não garante, por si só, o benefício fiscal: é necessário que o serviço prestado esteja diretamente vinculado à área de atuação reconhecida como típica da respectiva profissão.

Um exemplo prático e recorrente diz respeito ao médico que realiza procedimentos estéticos, como a harmonização facial. Embora a medicina esteja entre as profissões contempladas pelo art. 127, e o médico esteja habilitado conforme a legislação profissional, o benefício fiscal depende da natureza do serviço efetivamente prestado. A harmonização facial, embora possa exigir formação médica em certos casos, não é considerada, via de regra, um serviço de saúde nos termos do Anexo III da própria LC 214/2025, que trata dos serviços com redução de 60% da alíquota por seu caráter essencial. Também não se trata, necessariamente, de um serviço relacionado à habilitação médica, especialmente quando o foco é puramente estético e não há finalidade terapêutica. Dessa forma, o procedimento pode não se enquadrar nem na redução de 60% para saúde, nem na de 30% para atividade vinculada à profissão regulamentada, sendo tributado pela alíquota cheia.

Outro caso que exige análise cuidadosa é o do administrador. A profissão é regulamentada pela Lei nº 4.769/1965, com fiscalização exercida pelos Conselhos Regionais de Administração. No entanto, diferentemente de profissões como medicina ou contabilidade, cujas áreas de atuação são mais delimitadas, a administração permite uma atuação bastante ampla e, muitas vezes, compartilhada com outras áreas. Isso torna mais difícil a delimitação exata do que seria ou não um serviço vinculado à habilitação profissional do administrador. Serviços como consultoria empresarial, planejamento estratégico, desenvolvimento organizacional, análise de processos, gestão de pessoas e suporte em decisões corporativas podem se enquadrar como atividades relacionadas à profissão de administrador, desde que executadas pessoalmente por profissional registrado no CRA e dentro dos limites legais da profissão. Por outro lado, atividades como consultoria contábil, gestão de mídias sociais, corretagem de imóveis ou serviços de marketing digital, ainda que prestados por um administrador, não estão diretamente relacionadas à sua habilitação profissional e, portanto, não fazem jus à redução de alíquota.

Em ambos os exemplos, observa-se que o ponto central da análise não é a habilitação formal do profissional, mas sim a natureza concreta do serviço prestado. A Receita Federal deverá analisar, caso a caso, se a atividade tem relação direta com o campo de atuação delimitado pela legislação da respectiva profissão. Essa análise será essencial para evitar autuações fiscais, principalmente considerando que, ao optar pela redução, o contribuinte deverá manter documentação hábil e idônea que comprove a vinculação entre sua habilitação e os serviços executados.

Dessa forma, a aplicação da redução de alíquota de 30% da CBS e do IBS para profissionais liberais requer atenção redobrada. O contribuinte precisa não apenas estar formalmente habilitado, mas também prestar, de fato, serviços que guardem correlação direta com os limites técnicos e legais de sua profissão. Em caso de dúvida, é recomendável o suporte de assessoria jurídica e contábil especializada para fundamentar a adoção do benefício, inclusive por meio de pareceres técnicos e registros de atuação profissional junto aos conselhos de classe.


Vitor Canivello é administrador e contador, especialista em Gestão de Pessoas e Direito Tributário. Atualmente, é Senior Tax Supervisor na Deloitte.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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