
- Introdução
A Emenda Constitucional nº 132, de 20.12.23, e a posterior edição da Lei Complementar nº 214, de 16.01.25, instituem um novo marco normativo para a tributação sobre o consumo no Brasil. A substituição do ICMS, ISS, PIS e COFINS pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), além da criação do Imposto Seletivo (IS), altera de forma substancial a dinâmica federativa da tributação, com especial impacto sobre os benefícios fiscais estaduais.
Dentre os objetivos centrais da reforma está a extinção da chamada “guerra fiscal”, historicamente travada entre os Estados por meio da concessão de incentivos fiscais com finalidades desenvolvimentistas. Com a implementação da nova estrutura tributária, busca-se maior neutralidade, isonomia concorrencial e racionalidade econômica por meio de duas premissas centrais:
- A tributação no destino, concentrando a arrecadação no local de consumo;
- A eliminação progressiva dos benefícios fiscais estaduais, excetuando-se aqueles previstos na própria Constituição Federal.
Essa mudança tende a favorecer as unidades federativas com maior densidade populacional e dinamismo de mercado, deslocando o polo de atração empresarial para as regiões Sudeste e Sul, em prejuízo das regiões historicamente beneficiadas por políticas de incentivo fiscal.
- Regime Jurídico de Transição dos Benefícios Fiscais
Com vistas a viabilizar a transição para o novo modelo, o legislador complementar previu, nos termos do art. 384 da LCP nº 214/2025, uma redução escalonada dos benefícios fiscais vinculados ao ICMS entre os exercícios de 2029 e 2032:
Ano de Vigência | Redução sobre o Valor do Incentivo |
2029 | 10% |
2030 | 20% |
2031 | 30% |
2032 | 40% |
Durante o período de 2025 a 2028, os incentivos serão mantidos integralmente, sem qualquer limitação à sua fruição. Trata-se de mecanismo de transição que visa evitar descontinuidade abrupta e assegurar segurança jurídica às empresas beneficiárias, ao mesmo tempo em que gradualmente se desloca o sistema para a nova base tributária ancorada no IBS.
- Classificação dos Benefícios e Análise Comparativa
Conforme categorização consagrada pela doutrina e adotada pela Lei Complementar nº 160/2017, os benefícios fiscais estaduais dividem-se em:
- Benefícios industriais: destinados à implantação ou expansão de empreendimentos industriais, geralmente condicionados à geração de empregos ou realização de investimentos;
- Benefícios não industriais: aplicáveis a setores comerciais ou de serviços, sem exigências específicas de contrapartida.
A reforma uniformizou o tratamento de ambos os grupos, submetendo-os ao mesmo ritmo de redução, eliminando distinções normativas anteriormente vigentes.
Tipo de Benefício | Regime Anterior | Regime Atual (LC nº 214/2025) | Impacto |
Benefícios Industriais | Mantidos integralmente até 2032 | Redução escalonada a partir de 2029 | Negativo |
Benefícios Não Industriais | Redução de 20% ao ano | Redução de 10% ao ano (inicialmente) | Positivo |
A medida, embora promova uniformidade normativa, desfavorece setores industriais que haviam planejado sua estrutura sob a égide da preservação integral de seus incentivos até 2032.
- Fundo de Compensação: Instrumento Mitigador de Perdas
Com o intuito de mitigar os efeitos da extinção gradativa dos benefícios, foi criado o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais, com aporte previsto de R$ 160 bilhões pela União, entre 2025 e 2032, conforme arts. 384 a 405 da LCP nº 214/2025.
- Critérios de Elegibilidade
Nos termos do art. 385 da LCP nº 214/2025, para que a empresa tenha acesso ao fundo, é necessário que o benefício:
- Tenha sido concedido até 31 de maio de 2023;
- Possua natureza onerosa, vinculada a obrigações contratuais;
- Esteja fixado por prazo determinado;
- Esteja devidamente registrado no Confaz, conforme exigido pela LC nº 160/2017.
Estão excluídos da compensação benefícios de natureza declaratória, genéricos ou baseados exclusivamente em contribuição a fundos estaduais, conforme disciplina o §1º do Art. 385 da LC nº 214/25.
- Procedimento de Habilitação e Pagamento
A compensação será feita em espécie, diretamente ao contribuinte, mediante habilitação junto à Receita Federal do Brasil (RFB), entre 1º de janeiro de 2026 e 31 de dezembro de 2028 (art. 389). Após habilitação:
- A empresa deverá apurar a repercussão econômica do benefício;
- A entrega dos dados deve ocorrer mensalmente;
- A Receita terá até 60 dias para homologar o crédito, e 30 dias subsequentes para efetuar o repasse (art. 392).
- Efeitos sobre a Estratégia Locacional Empresarial
Com o “fim da guerra fiscal”, as empresas passarão a priorizar fatores operacionais e logísticos para definição de suas sedes ou filiais, em detrimento da busca por incentivos fiscais regionais. Dentre os fatores que ganham proeminência na nova lógica, destacam-se:
Fator Estratégico | Relevância no Novo Modelo |
Infraestrutura logística | Altamente relevante |
Proximidade de mercado | Essencial para distribuição e resposta ágil |
Qualificação da mão de obra | Determinante em setores industriais |
Custo operacional regional | Substitui a variável “custo tributário” |
Essa mudança induz uma revisão estratégica profunda, especialmente para empresas com atuação em estados que anteriormente dependiam de incentivos para manter competitividade.
- Conclusão
A reforma tributária representa um divisor de águas no sistema de incentivos fiscais estaduais. Embora os benefícios vigentes sejam mantidos até 2032, sua redução escalonada a partir de 2029 compromete seu valor econômico e exige adequação do planejamento tributário das empresas.
A criação do Fundo de Compensação atenua, em parte, os efeitos financeiros decorrentes da extinção dos benefícios fiscais estaduais. No entanto, sua aplicação está restrita a incentivos concedidos sob condições específicas, cujos critérios e exigências podem ensejar questionamentos administrativos e judiciais, sobretudo quanto à interpretação dos conceitos de “benefício oneroso”. Diante desse cenário, torna-se imprescindível que as empresas adotem uma postura proativa, com foco em:
- Avaliar sua elegibilidade ao fundo;
- Reestruturar sua cadeia produtiva; e
- Reposicionar-se estrategicamente no novo cenário federativo.
A tendência de migração de investimentos para regiões mais desenvolvidas poderá, se não acompanhada de políticas compensatórias eficientes, acentuar as desigualdades regionais, com impactos adversos sobre o emprego e a arrecadação nos estados menos favorecidos.
Referências
- BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.
- BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025.
Ana Paula Bourscheidt é Contadora, graduanda em Direito, especialista em Gestão Tributária pela PUC/PR. Possui mais de 14 anos de experiência na área tributária. É Head de Consultoria Tributária no escritório PPA – Paludo & Paschoal Advogados.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.