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Bonificações comerciais com impactos em IBS e CBS e risco de um possível ITCMD?

Por Rafael Garabed Moumdjian

Inicialmente, cabe-nos destacar que a Receita Federal, através da publicação da COSIT nº 202/2021, reafirmou entendimento que as bonificações concedidas sem vínculo com uma operação de venda original, é classificada como uma bonificação por mera liberalidade, configurando desconto condicional e devem ser tratadas como receitas de doação para a empresa recebedora e não como um redutor de custo.

De forma bem restritiva e “tradicional”, o Fisco deixa expresso que “… quanto não constarem da mesma nota fiscal de venda, as bonificações em mercadorias entregues gratuitamente, a título de mera liberalidade, sem vinculação com a operação de venda, configuram descontos condicionais, devendo, por isso, ser considerados receitas de doação para a pessoa jurídica recebedora dos produtos (donatária)”.

Além disso, a empresa que receber a bonificação (doação) que vender esses bens, não poderão descontar créditos de Pis/Cofins e, provavelmente, o mesmo para a CBS, pois não houve o pagamento das contribuições na etapa anterior.

Para o Fisco, deve prevalecer o conceito que com a diminuição do preço de uma mercadoria vendida, também se pode considerar as parcelas redutoras do preço de venda que quando estiverem destacados em nota fiscal de venda e não tiverem dependência de evento posterior à emissão de um novo documento fiscal, são caracterizadas como descontos incondicionais.

Como este entendimento não se limita ao Fisco, mas o próprio CARF tem prolatado decisões com a mesma tendência, atualmente as operações B2C são as mais impactadas e, em especial, setor do atacado e varejo devem prestar atenção no tratamento das bonificações recebidas em mercadorias.

Entretanto, o tema ainda é carente quando de se trata de recebimento de mercadorias no setor agrícola, pois é muito comum algumas culturas, como exemplo grãos de café, serem destinados como bonificações como mera liberalidade pois algumas quantidades de sacas “sobram” nos finais de safra. 

Além disso, com destaque especial ao setor sementeiro, é muito comum início de operações com novos tipos de sementes certificadas e fiscalizadas onde, antes do início da comercialização da produção em grande escala, é preciso distribuir as sementes a produtores rurais e cooperativas, sem curso para que os produtos sejam semeados, testadas sua performance para depois comercializar em campanhas nacionais em grande escala.

Por si só, isto já pode ser considerado um equívoco, pois conforme poderá ser observado no artigo 538 do Código Civil, a definição legal de doação tem como regra quando uma pessoa, por liberalidade, transfere de seu patrimônio bens ou qualquer outra vantagem para o de outra. 

A doação é um contrato qualificado como unilateral, consensual e gratuito, pois apenas o doador é aquele que contrai obrigações, uma vez que ele empobrece enquanto o destinatário enriquece.

Ao analisarmos uma relação comercial entre a beneficiadora de sementes e o produtor rural, não existe qualquer ato de gratuidade ou liberalidade na remessa das sementes, pois a essência dessas remessas que são enquadradas como bonificações advém de uma relação comercial, onerosa e, principalmente, regulatória para fins de certificação dos tipos de sementes que são produzidas e selecionadas.

Este é um caso nítido que produtos fornecidos como remessas em bonificação por mera liberalidade, mesmo que possam se configurar como uma vantagem financeira, estão vinculados a contratos comerciais que garantam percentuais mínimos de germinação de sementes, além da determinação regulatória prevista para fins de obtenção da certificação das mais diversas culturas de sementes.

Desta forma, as bonificações deveriam ser tratadas como um redutor de custo, apenas alterando-se a linha do balanço a depender de a mercadoria anterior já ter sido comercializada ou ainda estiver no estoque do destinatário, conforme determina o item 11 do CPC 16.

Pois ao receber mercadorias, em nosso caso sementes, aplicando-se a redução de custo, o recebimento de bonificações não aufere qualquer receita ou vantagem patrimonial, pois a vantagem apenas será realizada no momento em que o produto for revendido. Que não é o caso tem tela, pois estamos falando de bonificações por mera liberalidade para fins de multiplicação de sementes antes da certificação. 

Na esfera judicial, podemos destacar o julgamento do Recurso Especial nº 606.107/RS do Supremo Tribunal Federal, que decidiu que o conceito jurídico de receita é diferente do conceito contábil. 

Juridicamente, o conceito de receita para fins de aplicação da incidência do Pis e Cofins é o efetivo ingresso de recursos financeiros no patrimônio do destinatário, sendo em caráter definitivo, que envolvam atividade empresarial, onde podemos concluir que a questão regulatória também possa ser enquadrada como empresarial na interpretação do tema, pois a cessão onerosa de bens a terceiros é realizada. 

Ou seja, para fins da tributação federal, o nosso entendimento é que o recebimento de sementes que “sobrem” tais quais o exemplo que comentamos a respeito de grãos de café, como sementes que ainda estão passando pelo processo de multiplicação na obtenção de certificação, não há situação fática jurídica que sustente a incidência de Pis, Cofins e, futuramente, da CBS.

Neste diapasão, o fornecimento de grãos ou remessa de sementes, através da emissão de notas fiscais de bonificação, além de não descaracterizar a natureza de redução de custos para o destinatário, ainda não há o que se falar em aumento de patrimônio ou qualquer outra vantagem econômica que tenha incidência tributária das contribuições. 

O posicionamento restritivo da Receita Federal do Brasil não é uma surpresa, mas o acolhimento pelo CARF assumo que chamou a atenção, e o melhor posicionamento é as empresas do agronegócio se protegerem de tal posicionamento contraditório através de via judicial, pois isso poderá ser uma ilegalidade, mas claro, a depender de cada caso

2. Bonificações como Doação

Atualmente, o Fisco tanto estadual quanto o Federal, tem equiparado operações de bonificações por mera liberalidade como uma doação, quando comprovado que empresa (contribuinte) concede mercadorias gratuitamente, sem vínculo com uma operação de venda, tornando-se passível de ITCMD.

Isso é reforçado pois algumas legislações estaduais consideram que bonificações sem contrapartida financeira pode configurar em transmissão gratuita de bens, sujeitas ao ITCMD, dentre eles os Estados de Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraná, Piauí que já estariam enquadrados ao texto proposto do Projeto de Lei nº 108/24 que, particularmente, espero que seja alterado conforme veem sendo debatido nas audiências públicas do CCJ. 

A título de incrementar o volume de informações, pode-se observar a COSIT nº 266/19, temos um caso em que o contribuinte questiona se há incidência de IPI no caso de mercadorias fornecidas gratuitamente, em que o cliente, ao realizar compras de novos produtos, receberá entre 4% e 10% em mercadorias calculado sobre o valor de uma nova compra em forma de “bonificação”. 

Neste caso, conforme o autor veem provocando desde o início do artigo, o caso acima citado traz a figura da doação e assume relevância para o desfecho da relação jurídica e, mais importante, para fins tributários. Conforme segue abaixo a Ementa:

“BONIFICAÇÕES EM MERCADODIRAS A TÍTULO GRATUÍTO SEM VINCULAÇÃO À OPERAÇÃO DE VENDA. DOAÇÃO. Bonificações em mercadorias entregues gratuitamente, a título de mera liberalidade, sem vinculação à operação de venda, não são consideradas descontos incondicionais, enquadrando-se no conceito de doação.”

É um tema em que o debate ainda será intenso, pois fazendo uma breve pesquisa jurisprudencial, pudemos observar que a corrente majoritária da Esfera Judicial é que o ITCMD incide sobre a transmissão de bens de forma não onerosa, o que não é o caso das relações comerciais que comentamos durante o artigo e que não deveria desencadear em reflexos tributários.

O autor atreve-se a comentar que a Ampliação da Base de Cálculo do ITCMD que está sendo proposta pela PLP nº 108/24, além de afetar especialmente nas transmissões que envolvem quotas ou participações societárias, ainda, acrescenta que o valor de mercado do bem ou direito transmitido, ajustado conforme legislação estadual, portanto se estamos falando de um contribuinte que detém imóveis, direitos ou produtos, esses sessão avaliados a preço de mercado, o que não existe hoje em muitos Estados do Brasil, a titulo de exemplo o Estado de São Paulo.

Para mercadorias ou bens, o texto prevê a utilização de uma metodologia tecnicamente adequada que reflita o valor patrimonial líquido ajustado, acrescido do valor de mercado do fundo de comércio.

3. Impactos na Reforma Tributária

A proposta do PL nº 108/24 deveria trazer regras mais claras, com mais segurança jurídica e menos onerosas ao contribuinte, mas a mudança em relação a legislação do ITCMD é muito substancial, especialmente as novas regras sobre a aplicação do valor de mercado dos bens e direitos e suas hipóteses de incidência.

A interpretação do ITCMD sobre bonificações ainda gera debates e pode variar conforme o estado. Empresas devem avaliar cuidadosamente a formalização dessas operações para evitar encargos tributários inesperados.

As propostas ainda estão sujeitas a discussões e possíveis alterações e as contribuições advindas dos contribuintes e sociedade como um todo, são mais do que bem-vindas, visando mitigar os riscos associados às novas regras.

4. Referências

Solução COSIT nº 291/2017.

Solução DISIT/SRRF04 nº 4007/2020.

 MONTEIRO, Washington de Barros, Curso de direito civil, 32. ed.

Orlando Gomes. Contratos. São Paulo: Grupo Ed. Forense. 2009.

Lei Complementar nº 214/2025.

Projeto de Lei nº 108/2024.

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