
Por Mário Nazzari Westrup e Guilherme Venturini Floresti
A Reforma Tributária redesenha a espinha dorsal dos tributos sobre o consumo ao consagrar a cobrança no destino. A partir da transferência da arrecadação para o local onde o bem ou serviço é efetivamente consumido, o modelo desativa um dos fatores que, há décadas, alimenta a guerra fiscal entre Estados e distorce a geografia dos investimentos: benefícios fiscais do Imposto sobre Mercadorias e Serviços (ICMS).
O retrato mais tangível desse quadro é demonstrado na balança comercial interestadual publicada pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que mede o fluxo de ICMS entre entes federativos. Em 2024, apenas sete Estados registraram saldo positivo: São Paulo (R$ 286,5 MM), Amazonas (R$ 264,4 MM), Santa Catarina (R$ 258,5 MM), Paraná (R$ 144,0 MM), Espírito Santo (R$ 116,8 MM), Minas Gerais (R$ 35,0 MM) e Pernambuco (R$ 18,2 MM). Cada um chegou a esse resultado por meio de uma combinação de fatores: incentivos fiscais (mais nítidos em Estados como Amazonas, Santa Catarina e Espírito Santo), escala industrial combinada a um mercado interno robusto (como se observa em São Paulo), ou mesmo vantagens de localização e logística.
Entretanto, tais benefícios tributários são apenas parte de um conjunto mais amplo de ativos competitivos. Santa Catarina ostenta uma renda per capita acima da média nacional, mão de obra técnica abundante e três portos de classe mundial em menos de 300 quilômetros de costa. Espírito Santo explora sua posição estratégica entre os maiores mercados consumidores do Sudeste, portos de águas profundas e disciplina fiscal que sustenta as indústrias de petróleo, celulose e metalurgia. No Amazonas, a Zona Franca de Manaus combina políticas de incentivo regional com desenvolvimento tecnológico, enquanto São Paulo articula um mercado consumidor de 44 milhões de habitantes com infraestrutura logística, mão de obra qualificada, universidades de excelência, ecossistemas maduros de inovação, entre outras qualidades.
Com a introdução do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a cobrança no destino, a renúncia fiscal se desfaz, e o que permanece são os diferenciais estruturais – tais como capital humano, infraestrutura eficiente e inserção em cadeias globais –, os quais, doravante, guiarão a decisão de localização de fábricas e centros de distribuição. Portanto, a vantagem competitiva migra do benefício fiscal para a produtividade sistêmica.
Nesse novo ambiente, políticas de inovação, pesquisa e desenvolvimento (P&D) e adoção de inteligência artificial deixam de ser vitrines de modernidade para se tornarem requisitos de sobrevivência. Digitalização integral de cadeias, logística baseada em dados em tempo real, rotas verdes e iniciativas de Indústria 5.0 que combinam customização e escala serão tão-ou-mais atraentes que o antigo “crédito presumido”. Matriz energética renovável, eficiência no uso de recursos e economia circular completam o cardápio de fatores decisivos.
Programas robustos de atração de investimentos, parcerias público-privadas (PPPs) criativas, clusterização setorial e internacionalização de empresas locais reforçam essa transformação. Tudo isso exige um ambiente regulatório simples, licenciamento célere e segurança jurídica que permita ao investidor integrar-se rapidamente à malha produtiva regional. Produtividade, inovação e qualidade do ambiente de negócios substituem, em definitivo, o incentivo fiscal como moeda de competição subnacional.
Estados que não se reposicionarem correm o risco de perder dinamismo à medida que as empresas busquem mercados consumidores mais próximos ou redes logísticas mais eficientes. O desafio vai além de compensar perdas imediatas de receita: impõe redesenhar profundamente as políticas públicas de desenvolvimento.
A transição, embora corrija distorções históricas e amplie a justiça fiscal, exigirá planejamento meticuloso, mecanismos de equalização de receitas e diálogo constante entre governos e o setor privado. O sucesso do novo sistema dependerá da capacidade de cada Estado de transformar antigos benefícios em ganhos reais de produtividade, assentando a prosperidade sobre eficiência, inovação e valor agregado, e não mais sobre renúncias que ainda mascaram fragilidades estruturais.
Mário Nazzari Westrup é consultor da Tendências Consultoria. Doutor e Mestre em Desenvolvimento Socioeconômico pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), possui MBAs em Gestão Financeira, Controladoria e Auditoria pela Fundação Getúlio Vargas e em Finanças e Mercado de Capitais pelo Instituto de Finanças de Nova Iorque. Bacharel em Ciências Contábeis pela UNESC e em Relações Internacionais pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
Guilherme Venturini Floresti é consultor da Tendências Consultoria. Pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-SP e graduado em Direito pela FDSBC. Graduando do Bacharelado em Ciências Econômicas da UFABC.
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