
A reforma tributária do consumo está a um passo de se concretizar. Na prática, as novas regulamentações vão acarretar desafios relevantes para as empresas, sobretudo no que se refere à gestão de riscos nas relações com os fornecedores. Neste artigo, vamos examinar este assunto mais detalhadamente.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que, com a aprovação da Emenda Constitucional 132/23 e do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 pelo Senado Federal e pela Câmara, o sistema tributário brasileiro sofre transformações profundas na tributação sobre o consumo.
Isso porque as medidas aprovadas resultam em novos tributos – em especial, a CBS, o IBS e o IS, entre outros.
Essas alterações transcendem ajustes técnicos e demandam mudanças estruturais nas regras de negócios das organizações brasileiras, afetando relações entre empresas e consumidores. O objetivo é implementar essas mudanças de forma gradual, conforme previsto na legislação, sem comprometer a arrecadação, que nunca foi o principal motivador da Reforma Tributária do Consumo.
Para isso, mecanismos de proteção foram introduzidos. Um desses mecanismos, bastante debatidos pelas empresas, é a vinculação do direito ao crédito da CBS e do IBS ao efetivo pagamento dos tributos pelo fornecedor, mudança relevante quando comparado ao modelo atual, em que o crédito, com todas as suas imperfeições, está vincula ao montante informado “destacado” em documento fiscal.
Essa vinculação implica que as empresas só poderão se beneficiar do crédito tributário se os tributos forem devidamente quitados pelos seus fornecedores. Ou seja: com a reforma tributária, aumentam os riscos associados à cadeia de suprimentos – e, consequentemente, a necessidade de fazer a gestão desses riscos.
Detalhamento das novas regras
O artigo 47 do PL 68/24, que trata da não-cumulatividade da CBS e do IBS, estabelece:
“Art. 47. O contribuinte sujeito ao regime regular poderá apropriar créditos do IBS e da CBS quando ocorrer a extinção, por qualquer das modalidades previstas no art. 27, dos débitos relativos às operações em que seja adquirente, excetuadas exclusivamente aquelas consideradas de uso ou consumo pessoal […].”
O artigo 27, por sua vez, lista as modalidades de extinção dos débitos do IBS e da CBS, incluindo:
- Compensação com créditos;
- Pagamento pelo contribuinte;
- Recolhimento na liquidação financeira da operação (split payment);
- Recolhimento pelo adquirente;
- Pagamento por responsável designado pela legislação.
A combinação desses artigos exige que as empresas garantam que seus fornecedores sejam adimplentes nos tributos sobre consumo. Caso contrário, o tributo não pago se torna um custo fiscal adicional para o adquirente, alterando toda a dinâmica de gestão da cadeia de fornecimento.
Em outras palavras, a reforma tributária impõe às empresas a função de compliance tributário, que tradicionalmente cabia às autoridades fiscais. Agora, as organizações precisam monitorar se seus fornecedores cumprem o pagamento dos tributos. Embora isso reduza o risco de sonegação, também implica custos elevados para a adaptação e manutenção de novos processos.
A gestão de fornecedores deve incorporar um novo indicador-chave de desempenho (KPI): a verificação da adimplência tributária. Embora existam ferramentas para gerenciar fornecedores, o elemento “verificação de pagamento de tributos” é uma novidade que requer investimentos significativos em tecnologia e treinamento.
Do ponto de vista governamental, a medida é uma estratégia eficaz para garantir arrecadação e reduzir o hiato de conformidade tributária. Contudo, não se pode ignorar o impacto substancial que isso representa para a gestão das empresas, tanto em termos financeiros quanto operacionais.
Soluções tecnológicas podem ser aliadas importantes nesse novo cenário. Ferramentas como a KPMG Watch, por exemplo, oferecem monitoramento em tempo real de terceiros, análises baseadas em critérios de risco e identificação de violações de compliance, entre outras funcionalidades.
A combinação de workflow de aprovação, background checks e uso de inteligência artificial proporcionada por tecnologias como a KPMG Watch auxilia as empresas a protegerem sua reputação, reduzirem riscos e tomarem decisões mais assertivas.
O fato é que a reforma tributária propicia avanços em termos de arrecadação e combate à sonegação, mas afeta profundamente a dinâmica das empresas brasileiras, que agora lidarão com novos custos e desafios nas suas relações com fornecedores. Investir em soluções tecnológicas e em processos de compliance mais robustos será essencial para uma gestão de riscos eficaz e para a adaptação a um panorama regulatório sem precedentes.
Maria Isabel Ferreira é sócia-líder de Tributos Indiretos da KPMG no Brasil.
Os artigos escritos pelos colunistas não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.
Este artigo foi publicado com exclusividade na 2ª edição da Revista da Reforma Tributária. Adquira seu exemplar aqui.