
“Se um movimento deseja causar impacto, ele deve pertencer a quem o integra, e não a quem o lidera”. A frase de Simon Sinek, embora tenha surgido no contexto da liderança, ecoa com vigor no atual cenário em que os empreendedores brasileiros estão inseridos. A reforma tributária, mais do que uma revisão de leis e dispositivos legais, representa um verdadeiro divisor de águas na forma como os negócios se posicionam diante do novo sistema. E é exatamente nesse ponto que o compliance tributário precisa ser reavaliado: ele deixa de ser um custo inevitável, quase uma despesa obrigatória, para se consolidar como uma vantagem estratégica capaz de impactar diretamente a rentabilidade, a previsibilidade e a perenidade das empresas de forma concreta e mensurável.
Por muito tempo, o compliance foi visto por muitos empresários como um “mal necessário”, uma formalidade imposta, tolerada apenas pelo receio de sanções, pelo peso da legislação ou pelo temor de enfrentar a Receita. Era algo a ser feito para evitar problemas, não para gerar valor. Mas esse paradigma ficou para trás. Vivemos uma nova era, em que a obrigatoriedade vem acompanhada de oportunidades. O foco já não está apenas em cumprir, mas em compreender profundamente para decidir melhor. Mais do que uma obrigação, o compliance passa a ser uma ferramenta estratégica, um instrumento de leitura inteligente do ambiente regulatório que permite à empresa atuar com confiança, precisão e vantagem nas novas dinâmicas do jogo tributário.
A nova estrutura tributária, que substitui tributos antigos por novos, como o IBS, o CBS e o Imposto Seletivo, não é apenas uma simplificação da mecânica fiscal. Trata-se de uma reinvenção da própria lógica de tributação no Brasil. E não estamos falando apenas do tradicional planejamento tributário com foco em economia de carga. Estamos tratando de um reposicionamento da gestão empresarial como um todo, onde o compliance ganha protagonismo. Ele deixa de ser reativo e se transforma em um instrumento proativo, capaz de sustentar escolhas conscientes, reduzir desperdícios operacionais, promover eficiências internas, antecipar riscos e construir, de forma consistente, uma vantagem competitiva real e sustentável para o negócio.
Visualize duas empresas idênticas em porte, segmento e localização. Enquanto uma adota uma postura reativa, aguardando a regulamentação definitiva da reforma para se adaptar de forma superficial, a outra assume uma postura proativa. Essa segunda empresa decide revisar criticamente sua cadeia de fornecimento, avalia oportunidades no fluxo de créditos fiscais, identifica gargalos na nova sistemática de tributação no destino, investe na capacitação integrada de seus times e automatiza seus controles com soluções tecnológicas avançadas. Não é difícil prever qual delas estará mais preparada para prosperar nos próximos cinco ou dez anos em um ambiente cada vez mais fiscalizado e dinâmico.
Nesse novo cenário, o compliance deixa de ser uma simples coleção de checklists ou um amontoado de obrigações burocráticas. Ele passa a ser uma mentalidade empresarial, uma cultura viva que atravessa todos os departamentos da companhia, influencia a forma como o time comercial estrutura suas propostas, orienta o financeiro nas projeções e interfere diretamente na maneira como os líderes tomam decisões estratégicas. O compliance não pode mais ser visto como uma responsabilidade isolada do contador ou do consultor externo. Ele precisa estar enraizado na espinha dorsal da gestão, atuando de forma transversal, conectando estratégia, operação e governança.
Empresários que desejam escalar seus negócios com segurança, eficiência e consistência precisam compreender que a transição entre o sistema antigo e o novo não será simples nem linear. Pelo contrário: trata-se de um período desafiador, turbulento, com acúmulo de obrigações acessórias, sobreposição de regras e interpretações divergentes entre entes federativos. A convivência desses sistemas será, inevitavelmente, uma prova de fogo para a maturidade fiscal das organizações. Aquelas que se prepararem de forma estruturada, com visão de longo prazo e postura ativa, sairão dessa fase com muito mais robustez institucional e competitividade de mercado.
Nesse contexto, investir em um modelo de compliance ativo, preventivo e adaptável deixa de ser um diferencial e se torna uma condição essencial para a sobrevivência e o crescimento sustentado. E isso não significa necessariamente aumentar os custos com mais pessoas ou processos. Trata-se, sobretudo, de redirecionar recursos para onde eles trazem maior retorno: previsibilidade fiscal, mitigação de riscos, menor exposição a passivos ocultos, agilidade na resposta à fiscalização, maior transparência com stakeholders e, acima de tudo, mais segurança para a alta direção tomar decisões embasadas em dados e cenários realistas.
A legislação tributária brasileira sempre foi um organismo vivo, complexo e em constante mutação. Agora, com a reforma, ela exige dos gestores e tributaristas uma capacidade analítica ainda mais apurada. O conhecimento segue sendo fundamental, mas é a interpretação bem embasada que diferencia quem apenas reage às mudanças daqueles que se antecipam a elas. As zonas cinzentas da nova legislação vão exigir posicionamento claro, fundamentação sólida e embasamento técnico e jurídico. Empresas que desenvolverem essa musculatura estarão naturalmente mais protegidas, com menos gasto em contencioso e mais liberdade para crescer.
Nesse novo desenho de mundo tributário, o papel do tributarista se expande e se transforma. Não estamos mais falando apenas de um profissional que calcula tributos e gera guias. Estamos falando de um verdadeiro conselheiro estratégico da gestão, um articulador que precisa estar presente na revisão de contratos, na expansão territorial da empresa, na formação de parcerias comerciais, na precificação de produtos, na avaliação de riscos regulatórios e no planejamento de crescimento. Seu olhar fiscal deve permear todos os grandes movimentos empresariais, sendo parte do coração estratégico da organização.
E, naturalmente, nenhum modelo de compliance tributário moderno está completo sem o suporte da tecnologia. Estamos falando de ERPs integrados com módulos fiscais inteligentes, painéis de controle em tempo real, soluções de gestão tributária baseadas em nuvem, BI aplicado ao cruzamento de dados contábeis e fiscais e, cada vez mais, o uso de inteligência artificial para análise preditiva de riscos, identificação de inconsistências e simulação de cenários regulatórios. O empreendedor que deseja se manter competitivo não pode mais operar com processos manuais, sistemas defasados ou basear-se em relatórios desatualizados. O futuro do compliance é digital, integrado e inteligente.
Estamos, portanto, saindo de uma era em que se dizia “pague o imposto certo para não ter problema” e entrando em uma nova etapa onde o mantra precisa ser “entenda profundamente o tributo para decidir melhor, crescer com consistência e construir valor”. Essa mudança de postura, ainda que sutil, muda absolutamente tudo: a forma de pensar o negócio, o papel do contador, o peso da informação fiscal na mesa de decisões e o valor estratégico do conhecimento tributário como ativo empresarial.
Empreender no Brasil sempre foi um ato de coragem. Agora, mais do que nunca, exige também uma capacidade aguda de leitura do ambiente regulatório, uma disposição para lidar com incertezas e uma estratégia clara para navegar no novo ecossistema fiscal em construção. Não é mais suficiente apenas vender bem ou controlar custos. É preciso compreender profundamente a dinâmica tributária e saber usá-la como alavanca de crescimento, sustentabilidade e inovação.
E, para encerrar, deixo uma provocação: e se o compliance tributário, por tanto tempo visto como um centro de custos, um mal necessário for justamente o ponto de inflexão que seu negócio precisa para evoluir? E se, ao invés de um entrave, ele for a alavanca para destravar novos mercados, atrair capital com mais solidez, reduzir riscos de forma estrutural e construir uma estratégia verdadeiramente inteligente, robusta e alinhada com os desafios de um Brasil em transformação? A reforma tributária não é apenas um obstáculo técnico ou um emaranhado de novas obrigações. Para quem enxerga além do óbvio, ela é a grande oportunidade desta década, um convite explícito para revisar modelos, amadurecer processos e reposicionar a governança empresarial em um novo patamar de excelência.
Nesse cenário, mais do que nunca, o compliance tributário precisa ser compreendido como uma responsabilidade coletiva, transversal e integrada. Não se trata de uma função estanque, restrita ao departamento fiscal ou jurídico. Estamos falando de uma disciplina estratégica que exige articulação real entre áreas-chave da organização: fiscal, contábil, jurídica, tecnologia da informação, planejamento e do nível executivo. Essa interdependência é o que permitirá responder com velocidade e precisão às novas exigências do sistema, evitar falhas operacionais e, acima de tudo, capturar com consistência as oportunidades escondidas nas entrelinhas da reforma. Compliance, portanto, não é mais sobre cumprir, é sobre construir vantagem.
Esse novo tempo também redefine o papel dos profissionais da área tributária. De especialistas técnicos focados na apuração correta de tributos, passamos a ser verdadeiros arquitetos fiscais, profissionais capazes de transformar dados em cenários, normas em insights e diferenciais competitivos. Trata-se de uma mudança de identidade profunda: deixamos de ser apenas solucionadores de problemas para nos tornarmos protagonistas da estratégia. O tributarista do futuro é, acima de tudo, um tradutor das complexidades legais em valor prático para o negócio. E esse salto de maturidade recoloca o departamento tributário no centro da mesa de decisão, com a relevância e o protagonismo que há muito estavam à margem.
Por isso, mais do que entender tecnicamente a reforma tributária, é preciso acolhê-la como um chamado à liderança, à responsabilidade compartilhada e à evolução profissional. O novo compliance tributário não se impõe apenas como obrigação, mas como uma jornada de transformação cultural. Ele começa agora, com as decisões que tomamos hoje, com o nível de seriedade e visão que dedicamos a ele nas discussões internas. E é exatamente nessas escolhas, silenciosas, estratégicas e intencionais, que se constrói o verdadeiro diferencial competitivo de qualquer empresa que deseja prosperar nesse novo Brasil: mais exigente, sim, mas também mais cheio de possibilidades para quem estiver preparado para liderar.
Diogo Thaler do Valle é advogado, contador e especialista em tributos e estratégia empresarial. Com uma trajetória consolidada e quase duas décadas atuando em grandes corporações é fundador do Power Tax Brasil e atualmente ocupa o cargo de Diretor Tributário da Philip Morris Brasil, liderando iniciativas fiscais e tributárias locais e internacionais. Possui passagem por empresas de consultoria e auditoria, Ernst & Young, onde acumulou vasta experiência na área fiscal, assessorando companhias de diferentes segmentos em desafios tributários complexos.
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