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Empreender no Brasil ficou ainda pior? A polêmica tributação de dividendos

Reprodução: Freepik.

Por Diogo Thaler do Valle

Vamos começar com uma pergunta instigante: você, contador ou tributarista, acredita que estamos realmente avançando rumo a uma modernização tributária ou apenas redesenhando velhas estruturas com novas roupagens? A proposta de tributação de dividendos, que volta e meia retorna ao debate como alternativa para combater desigualdades e aumentar a arrecadação, tem sido recebida com entusiasmo por alguns e cautela por outros. O objetivo deste artigo, portanto, não é encerrar a discussão, mas provocar uma reflexão serena, técnica e, acima de tudo, realista sobre o que está em jogo.

À primeira vista, a ideia parece razoável. Afinal, por que lucros e dividendos, que muitas vezes constituem a principal fonte de renda de empresários e investidores, estariam isentos de tributação enquanto salários seguem sendo fortemente taxados? O argumento da justiça fiscal é legítimo e merece atenção. Contudo, ao olharmos mais de perto, especialmente com a lente de quem lida diariamente com o emaranhado de normas e obrigações do nosso sistema, percebemos que o cenário é um pouco mais complexo do que se propaga em discursos generalistas.

Antes de qualquer posicionamento, é importante reconhecer que a carga tributária brasileira já é significativa. Com um peso que se aproxima de 34% do PIB e sem a devida contrapartida em serviços públicos, o sentimento de desequilíbrio é algo que atravessa tanto quem empreende quanto quem consome. O ambiente empresarial, em especial, enfrenta não apenas uma elevada tributação, mas também um alto grau de incerteza jurídica, constante mutação normativa e uma burocracia que exige esforço redobrado para o simples cumprimento das regras. Nesse contexto, a proposta de tributar dividendos, se não for acompanhada de uma revisão mais ampla da tributação sobre as empresas, pode representar uma dupla incidência. Afinal, esses lucros já foram tributados na pessoa jurídica. A introdução de uma nova carga na distribuição pode, dependendo da forma como for desenhada, desestimular investimentos e comprometer o fôlego financeiro de empreendedores, especialmente os de pequeno e médio porte.

Vale também observar que, embora a tributação de dividendos seja uma prática comum em muitos países desenvolvidos, esses mesmos sistemas contam com características muito diferentes do nosso. São, em geral, menos burocráticos, com regras mais estáveis e previsíveis, além de apresentarem alíquotas corporativas mais equilibradas. Importar apenas parte do modelo, desconsiderando o restante do arcabouço, pode gerar distorções e, inadvertidamente, ampliar desigualdades que se pretendia reduzir. Não se trata aqui de rejeitar a tributação de dividendos por princípio. Pelo contrário, o debate é saudável e oportuno, desde que conduzido com equilíbrio e com base em evidências. É essencial, por exemplo, distinguir os diferentes perfis de quem recebe dividendos. Em um extremo, temos investidores que acumulam lucros substanciais sem qualquer contribuição adicional. No outro, há empreendedores que, após enfrentarem os desafios de abrir e manter um negócio em funcionamento, encontram nos dividendos sua principal forma de remuneração. A aplicação de uma nova tributação sem considerar essas nuances pode afetar de forma desproporcional aqueles que mais dependem da sustentabilidade de seus negócios para gerar empregos e renda.

Além disso, mudanças dessa natureza, quando mal comunicadas ou pouco transparentes, podem gerar insegurança. A instabilidade regulatória, tão presente na história recente do sistema tributário brasileiro, é um fator que impacta diretamente o apetite por empreender e investir. Reformas bem-sucedidas em outros países foram, em regra, precedidas por amplos debates, construção de consensos e implementação gradual, respeitando a previsibilidade que qualquer ambiente econômico saudável precisa ter. Outro ponto que merece atenção diz respeito ao comportamento do contribuinte diante de mudanças abruptas. A elevação da carga sobre dividendos, se não for acompanhada de incentivos adequados, pode resultar em maior incentivo a planejamentos tributários mais complexos ou até mesmo agressivos. Em vez de ampliar a base arrecadatória, corre-se o risco de fomentar práticas que reduzem a efetividade da medida e geram novos desafios para a administração tributária.

Portanto, ao analisarmos a proposta de tributação de dividendos, é fundamental que o façamos sem paixões ideológicas ou soluções fáceis. O Brasil precisa, sim, de um sistema mais justo, eficiente e transparente. Mas isso exige uma abordagem sistêmica, que vá além de ajustes pontuais. É preciso repensar a estrutura como um todo: avaliar o papel de incentivos, rever gastos públicos, simplificar obrigações acessórias, valorizar a estabilidade normativa e investir em tecnologia para modernizar a relação entre fisco e contribuinte.

Empreender no Brasil é, há muito tempo, um ato de coragem. E qualquer proposta que impacte diretamente essa atividade deve ser analisada com cuidado redobrado. O nosso papel, como profissionais da área tributária, é contribuir com esse debate de maneira técnica, serena e propositiva. É ouvir, refletir, argumentar e ajudar a construir soluções que não apenas façam sentido no papel, mas que também se sustentem na prática.

A você, leitor e profissional, que acompanha este raciocínio até aqui, fica o convite à ponderação. Que possamos ampliar esse debate, trazendo dados, experiências e olhares diversos. Porque a verdadeira reforma tributária que o Brasil precisa não é a que apenas mexe nas alíquotas, mas a que corrige distorções, gera confiança e cria um ambiente no qual empreender não seja um desafio quase solitário, mas uma escolha viável, respeitada e valorizada.


Diogo Thaler do Valle é advogado, contador e especialista em tributos e estratégia empresarial. Com uma trajetória consolidada e quase duas décadas atuando em grandes corporações é fundador do Power Tax Brasil e atualmente ocupa o cargo de Diretor Tributário da Philip Morris Brasil, liderando iniciativas fiscais e tributárias locais e internacionais. Possui passagem por empresas de consultoria e auditoria, Ernst & Young, onde acumulou vasta experiência na área fiscal, assessorando companhias de diferentes segmentos em desafios tributários complexos.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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