Imposto Seletivo no Brasil: um debate repleto de controvérsias

Alline Guimaraes 

Por Alline Guimaraes 

O Imposto Seletivo (IS), criado pela Emenda Constitucional nº 132, como parte da Reforma Tributária aprovada em 2023, passou a integrar a estrutura tributária brasileira com o objetivo de desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.

Regulamentado pela Lei Complementar nº 214/2025, o novo tributo tem gerado intensos debates no meio jurídico, econômico e político. Embora proposto como instrumento de correção de externalidades negativas, sua formulação atual levanta sérias controvérsias sobre escopo, segurança jurídica, impactos regionais, justiça fiscal e coerência regulatória.

Uma das principais críticas recai sobre a falta de clareza quanto aos critérios que definem o que é um bem ou serviço “nocivo”. A lei não apresenta parâmetros técnicos objetivos que sustentem essa definição, o que abre margem para interpretações políticas e decisões arbitrárias.

Esse aspecto gera insegurança jurídica para empresas e investidores, além de possíveis distorções na aplicação do imposto. 

A ausência de indexação das alíquotas pela inflação, como alertado por representantes da OAB-DF em audiência na CCJ, é outro ponto sensível. Sem correção monetária, as alíquotas podem perder efetividade ou ser ajustadas de forma discricionária, o que compromete a previsibilidade fiscal.

Outro aspecto controverso é a convivência prolongada entre o Imposto Seletivo e o atual ICMS, prevista para durar até 2031. Esse período de transição excessivamente longo pode gerar sobreposição tributária, dificultar o planejamento empresarial e manter o sistema tributário brasileiro entre os mais complexos do mundo.

Além disso, a forma de repartição do imposto entre os entes federativos também é alvo de críticas. A proposta atual destina 60% da arrecadação a estados e municípios, enquanto a União fica com 40%. Governadores argumentam que essa divisão pode incentivar a União a desestimular o uso do imposto, uma vez que grande parte da receita seria repassada a outras esferas de governo.

A definição de quais produtos serão efetivamente tributados é outro ponto nevrálgico. Estão previstas cobranças sobre bebidas açucaradas, alcoólicas, veículos (inclusive elétricos), aeronaves, embarcações, apostas, além da extração de petróleo, gás e minérios. 

No entanto, a decisão do Senado de excluir armas e munições da incidência do imposto gerou críticas generalizadas. A exclusão foi interpretada como incoerente com os objetivos do IS, indicando forte influência política no processo legislativo.

O setor de apostas também tem se manifestado de forma crítica. Representantes da indústria afirmam que a alíquota de 12% sobre o faturamento bruto das casas de apostas pode incentivar a migração de usuários para o mercado ilegal, minando os esforços recentes de regulamentação. 

O setor de mineração, por sua vez, alerta que a taxação de petróleo, gás e minério de ferro compromete a competitividade das empresas e pode impactar negativamente a inflação e os investimentos no setor energético.

Uma polêmica particularmente simbólica surgiu em torno da tributação de veículos elétricos. Deputados que defenderam a inclusão alegam que a produção e descarte das baterias também geram impactos ambientais relevantes. Assim, segundo essa visão, o caráter “sustentável” dos veículos elétricos não seria suficiente para isentá-los da tributação seletiva. Para as montadoras, entretanto, essa decisão representa um desincentivo à transição energética no setor automotivo.

Afinal, o IS pretende arrecadar ou promover mudanças de comportamento?

 A falta de transparência sobre esse ponto levanta suspeitas de que o imposto seletivo possa ser utilizado como mais uma fonte de receita fiscal, e não como instrumento de política pública. A consequência disso seria um descolamento entre o discurso oficial de proteção à saúde e ao meio ambiente e a prática arrecadatória, com baixa efetividade em modificar padrões de consumo.

Estudos apresentados por organizações como a Oxfam Brasil revelam que cerca de 20% das mortes anuais no país, cerca de 380 mil , estão associadas a fatores como poluição, má alimentação e doenças crônicas não transmissíveis. 

O custo econômico estimado dessas mortes e das doenças correlatas chega a R$ 176 bilhões por ano. Esses dados reforçam o argumento de que é necessário tributar externalidades negativas, mas também mostram que a política precisa ser precisa, justa e eficaz.

Comparações internacionais revelam que diversos países já adotam modelos similares, com tributação sobre bebidas açucaradas, emissões de carbono, veículos altamente poluentes, entre outros. Nesses contextos, a aplicação de impostos seletivos tem contribuído para a redução do consumo nocivo e para a promoção de práticas sustentáveis. 

A chave do sucesso está na calibragem do imposto, na transparência das decisões e na vinculação das receitas à mitigação dos danos causados.

Em síntese, o Imposto Seletivo é um instrumento poderoso, mas que exige desenho cuidadoso e execução criteriosa. Entre as principais controvérsias estão a falta de critérios técnicos claros, a insegurança jurídica, o potencial de desindustrialização em regiões menos favorecidas, o desequilíbrio na repartição federativa, a arbitrariedade na escolha dos setores tributados e a dúvida quanto à real finalidade do imposto.

Se mal estruturado, o IS pode se tornar apenas mais um tributo regressivo e disfuncional no já complexo sistema tributário brasileiro. Se bem regulamentado, no entanto, poderá se tornar uma referência global de tributação orientada pela justiça ambiental e social. 


Alline Guimaraes é Advogada tributarista e Servidora do Tribunal de Contas do DF. Mestre em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo IDP/DF, Especialista em Direito Tributário pela Escola Educacional Damásio / SP, com Titulação em ESG pela Universidade Panthéon Sorbonne – Paris/França e Titulação em Direito Público e Privado 4.0 pela Universidade de Coimbra/Portugal.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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