
Na Grécia Antiga, à sombra imponente das colunas de mármore de Atenas, germinavam ideias que, com o tempo, viriam a moldar os pilares do pensamento ocidental. Ali, não era raro ver cidadãos reunidos nas ágoras, as praças públicas onde o debate era livre, vivo e essencial, discutindo desde questões políticas até as mais complexas indagações filosóficas. Foi nesse solo fértil de diálogo e escuta atenta que surgiram as ideias transformadoras de pensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles. Nenhuma dessas contribuições, contudo, floresceu isoladamente. Cada conceito, cada teoria, foi lapidado a partir do atrito saudável entre visões distintas, da provocação intelectual constante e da humildade de reconhecer que o conhecimento se constrói coletivamente.
Avançando séculos à frente, percebemos que, embora o cenário tenha mudado, a essência permanece. Hoje, quando o Brasil se encontra às vésperas de uma das reformas tributárias mais estruturantes de sua história, torna-se ainda mais claro que a evolução, especialmente no campo profissional e técnico do Direito Tributário, não acontece no silêncio de um gabinete, mas sim na troca ativa entre especialistas, na escuta sensível dos diferentes setores da sociedade e no compromisso com uma construção conjunta. Como tributarista com trajetória consolidada, atualmente na posição de Diretor Tributário da Philip Morris, fundador do Grupo IGP, do Power Tax Brasil e agora colunista da Revista Reforma Tributária, carrego a convicção de que esse momento de transição exige não apenas competência técnica, mas também disposição para o diálogo, para o questionamento e, acima de tudo, para pensar fora da caixa. Afinal, a verdadeira transformação nasce da convergência entre teoria e prática, entre razão e sensibilidade, algo que os gregos já sabiam há centenas de anos.
A reforma tributária não é apenas uma alteração normativa ou uma substituição de artigos legais em textos legislativos. Ela representa, na essência, um verdadeiro reposicionamento do nosso sistema fiscal, com impactos que transcendem a técnica e alcançam a forma como o Estado se relaciona com a sociedade e as empresas. Estamos falando de uma transformação estrutural que exige mais do que conhecimento técnico: exige visão sistêmica, preparo estratégico e um elevado grau de adaptabilidade. As mudanças envolvem transições operacionais profundas, revisão de processos internos, integração e atualização de tecnologias, além de uma inevitável redefinição do papel do tributarista dentro das organizações.
Nesse novo cenário, o profissional da área fiscal deixa de ser apenas um intérprete da norma para se tornar um agente ativo de transformação, um articulador entre diferentes áreas, um guardião da eficiência e da conformidade. A complexidade desse processo é tamanha que tentar absorver tudo de forma solitária não é apenas desafiador, é potencialmente arriscado. Em tempos de tanta volatilidade regulatória, caminhar sozinho pode significar não apenas perder oportunidades, mas também cometer equívocos estratégicos. Estamos imersos em uma era marcada pela abundância de informações e, paradoxalmente, pela escassez de interpretações realmente consistentes. Ter acesso a dados e atualizações já não é um diferencial competitivo; o que separa o bom do excelente é a capacidade de contextualizar, conectar pontos, antecipar movimentos e compreender os desdobramentos mais sutis das decisões fiscais.
Nesse sentido, fazer parte de uma comunidade técnica é muito mais do que pertencer a um grupo de profissionais com interesses comuns. É, na prática, integrar uma estrutura viva de apoio cognitivo e estratégico, um verdadeiro ecossistema de inteligência coletiva onde o conhecimento circula, se confronta, amadurece e se expande. Trata-se de um ambiente em que a troca de experiências não é pontual, mas constante. Não se limita a eventos, seminários ou webinars: é uma construção diária, feita nos bastidores das decisões, nos fóruns de debate, nos grupos de estudo e nas conexões que se fortalecem com o tempo. Em um contexto de reforma, é esse tipo de ambiente que nutre o discernimento e sustenta o protagonismo. Porque, no fim das contas, compreender o novo não é apenas uma questão de estudo, mas também de convivência.
A história nos ensina que os grandes avanços da humanidade não aconteceram no isolamento, mas nos momentos de encontro. Foi da confluência de diferentes saberes, olhares e experiências que emergiram as transformações mais marcantes. Basta olhar para a Renascença, por exemplo. Aquele período não teria alcançado a potência que conhecemos sem a efervescência criativa dos ateliês florentinos, onde artistas, matemáticos, engenheiros, arquitetos e pensadores conviviam intensamente, compartilhando ideias que transbordavam os limites de suas próprias disciplinas. Era na interseção entre a arte e a ciência, entre o raciocínio lógico e a sensibilidade estética, que nasciam as inovações que moldaram a modernidade. De forma semelhante, nossa própria evolução enquanto profissionais do Direito Tributário também se acelera quando nos abrimos ao diálogo com especialistas de outras áreas, com colegas que carregam vivências distintas e que, justamente por isso, desafiam nossos modelos mentais e ampliam nossas perspectivas.
Essa troca, quando feita de forma genuína, é transformadora. E nesse contexto, há um valor inestimável que muitas vezes passa despercebido: a escuta. Em ambientes técnicos, escutar vai muito além de uma postura educada. Escutar é um ato de responsabilidade intelectual. É reconhecer que o conhecimento não é propriedade individual, mas uma construção coletiva que se fortalece na diversidade. O tributarista que atua diretamente com o setor industrial pode enxergar nuances que escapam completamente àquele que está imerso no universo da tecnologia ou dos serviços financeiros. Cada setor carrega uma lógica própria, desafios específicos e demandas que exigem interpretações distintas da mesma norma. É justamente nesse atrito respeitoso entre realidades diferentes que surgem as soluções mais criativas, mais robustas e, acima de tudo, mais aplicáveis ao mundo real. Porque, no fim das contas, interpretar a lei é apenas uma parte do trabalho. O que realmente faz a diferença é saber aplicá-la com sensibilidade, inteligência e consciência prática.
Sobretudo neste momento em que as regras do jogo estão sendo redesenhadas diante de nossos olhos, a construção coletiva do conhecimento deixa de ser uma escolha desejável e passa a se firmar como uma verdadeira estratégia de sobrevivência. Não se trata apenas de estudar novas normas ou memorizar dispositivos legais. Estamos diante de um processo que exige muito mais: repensar estruturas de precificação, analisar impactos financeiros de curto, médio e longo prazo, revisar contratos já firmados, reavaliar modelos operacionais e simular cenários com base em premissas que ainda estão indefinidas. E tudo isso acontece sob a pressão do tempo, com prazos que se encurtam cada vez mais e um ambiente de insegurança jurídica que, infelizmente, já se tornou uma constante. Nesse cenário, estar inserido em uma comunidade técnica sólida e ativa não é um luxo ou um bônus, é um verdadeiro diferencial competitivo.
Sob a ótica empresarial, a conexão com esses grupos proporciona algo muito mais poderoso do que mera atualização normativa. Proporciona capacidade de antecipação. Empresas que estimulam seus tributaristas a participarem ativamente de ambientes colaborativos não apenas se mantêm informadas, mas conquistam uma vantagem real na tomada de decisão. São organizações que conseguem ajustar seus sistemas com antecedência, orientar suas áreas comerciais de maneira mais precisa e oferecer à liderança financeira projeções realistas sobre impactos tributários. E como bem sabemos, em tempos de transição regulatória, quem se antecipa não apenas evita riscos, assume a dianteira.
Mas os ganhos vão além da estratégia e da técnica. Existe também um componente emocional que não pode ser negligenciado. Sentir-se parte de uma comunidade qualificada e comprometida reduz a pressão que, muitas vezes, recai sobre o indivíduo. Alivia o peso psicológico de sentir que se deve “saber tudo o tempo todo”, uma cobrança silenciosa, porém constante, em ambientes altamente técnicos. Compartilhar dúvidas, validar interpretações, debater alternativas e encontrar respaldo coletivo em decisões complexas fortalece a confiança e gera uma sensação de segurança que, em momentos tão sensíveis como os que estamos vivendo, funciona quase como um antídoto contra o desgaste profissional. Quando cada nova semana traz uma leitura diferente da norma, quando cada detalhe pode representar um risco fiscal ou uma oportunidade escondida, ter com quem trocar é mais do que útil, é essencial.
Nenhum avanço relevante ocorre no isolamento. O progresso nesse campo, tão técnico quanto sensível, é fruto de alianças bem construídas, de trocas honestas, de aprendizados mútuos. Estar inserido em uma comunidade técnica é, antes de tudo, um ato de humildade e inteligência: é reconhecer que, por mais conhecimento e experiência que se tenha, sempre haverá algo a aprender, algo a revisar, algo a aperfeiçoar. E mais do que isso, é compreender que o verdadeiro protagonismo profissional não está em saber tudo, mas em saber onde buscar, com quem trocar e quando se permitir escutar.
Portanto, se a grande pergunta que nos move hoje é como evoluir em meio ao maior redesenho fiscal das últimas décadas, talvez devêssemos começar reformulando o próprio modo de buscarmos respostas. Porque elas não estão em manuais prontos, nem surgem de soluções individuais. Estão nas mesas compartilhadas, nas discussões entre pares, nas comunidades técnicas que se organizam, questionam, testam, erram, aprendem e pensam juntas. É nelas que o conhecimento se torna mais sólido, mais ágil e mais aplicável à complexidade do mundo real. E é justamente por isso que, em tempos de reforma tributária, apostar na inteligência coletiva não é apenas uma vantagem, é uma necessidade estratégica.
No fim das contas, como nos mostram os grandes momentos da história e como a prática diária nos comprova, ninguém evolui sozinho. E é na força das comunidades técnicas que reside o nosso maior ativo para enfrentar, e protagonizar, esse novo capítulo da história brasileira.
Diogo Thaler do Valle é advogado, contador e especialista em tributos e estratégia empresarial. Com uma trajetória consolidada e quase duas décadas atuando em grandes corporações é fundador do Power Tax Brasil e atualmente ocupa o cargo de Diretor Tributário da Philip Morris Brasil, liderando iniciativas fiscais e tributárias locais e internacionais. Possui passagem por empresas de consultoria e auditoria, Ernst & Young, onde acumulou vasta experiência na área fiscal, assessorando companhias de diferentes segmentos em desafios tributários complexos.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.