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O fim da neutralidade fiscal nos modelos de reembolso de despesas com a reforma tributária

Reprodução: Freepik.

Por Luiz Roberto Peroba

Tenho enfatizado nos meus últimos artigos que com a implementação da reforma tributária do consumo no Brasil, muitos modelos tradicionais de negócios e contratos precisarão ser revistos. Um dos pontos mais críticos — e, até aqui, subestimados — diz respeito aos modelos de reembolso de despesas, frequentemente utilizados por empresas para repassar custos administrativos, logísticos ou operacionais sem incidência de tributos.
Sob o novo sistema de tributação “por fora”, com CBS e IBS incidindo sobre a receita da operação e adotando o princípio da tributação do valor agregado, esses modelos perdem sua funcionalidade anterior. Mais ainda: podem representar risco fiscal e financeiro concreto, exigindo portanto uma atenção especial.

1. O modelo de reembolso atual

Historicamente, empresas que atuam como intermediárias na contratação de serviços ou bens costumam repassar os valores pagos a terceiros aos seus clientes sob a rubrica de reembolso de despesa. Com base em instruções normativas (como a IN SRF nº 247/2002), jurisprudência da Receita Federal e até decisões do CARF, havia uma relativa segurança jurídica de que não incidiria tributo sobre valores reembolsados desde que houvesse: (i) vínculo contratual claro com previsão do reembolso; (ii) não agregação de valor na despesa reembolsada; (iii) documentação hábil e idônea da despesa original; (iv) ausência de margem de lucro ou cobrança de taxa.

2. A lógica da reforma tributária e a quebra do reembolso como operação neutra

O novo modelo do IVA-dual (IBS e CBS) rompe com a lógica anterior de faturamento bruto com tributos “por dentro” e passa a adotar o princípio da tributação plena da receita bruta da operação do fornecedor, com crédito financeiro integral para o adquirente.
Isso significa que, toda entrada de receita oriunda de operação onerosa de bens ou serviços será tributada, independentemente da sua natureza contábil. Ou seja, o valor reembolsado passa a ser tratado como receita tributável do prestador que emite o documento fiscal.

3. Impactos práticos: efeitos fiscais, contábeis e comerciais

Um dos primeiros pontos críticos é a perda da neutralidade fiscal. A nova base tributável, que passa a considerar o preço líquido sem a inclusão dos tributos, pode gerar um aumento artificial da receita considerada tributável. Isso significa que operações que antes eram neutras sob a ótica do PIS/COFINS e ISS podem passar a sofrer um incremento real de carga tributária no novo modelo, elevando o custo efetivo das transações.

Além disso, o desenho da não cumulatividade na nova sistemática, embora mais ampla, não elimina totalmente o risco de bitributação ou de glosa de créditos. Situações em que a origem ou destinação dos bens e serviços não esteja claramente enquadrada dentro das regras de crédito podem resultar em perda efetiva de aproveitamento dos valores recolhidos na etapa anterior da cadeia.

Outro impacto relevante ocorre no âmbito contratual. A ausência de cláusulas específicas nos contratos vigentes que prevejam o repasse ou tratamento adequado do novo modelo tributário pode gerar conflitos entre as partes, especialmente em relações de longo prazo ou contratos firmados sob lógica bruta de faturamento. A falta de previsão contratual pode fazer com que um dos lados da relação suporte uma carga tributária inesperada e desproporcional, comprometendo margens e a viabilidade econômica da operação.

Por fim, a reestruturação tributária pode afetar diretamente estruturas societárias como SPVs (Special Purpose Vehicles) e holdings operacionais, que foram desenhadas sob premissas anteriores à reforma. O modelo tradicional de centralização de receitas, faturamento concentrado ou repasses internos precisará ser revisto à luz do novo sistema de créditos e débitos, sob pena de gerar efeitos colaterais indesejados, como dupla tributação ou não aproveitamento de créditos nas etapas subsequentes.

4. Pontos de atenção e ações concretas para adaptação à Reforma Tributária

Diante da mudança estrutural promovida pela Reforma Tributária do consumo, é fundamental que empresas adotem uma postura proativa para garantir conformidade, segurança jurídica e mitigação de riscos operacionais e financeiros. Abaixo, destacam-se algumas medidas práticas que devem ser priorizadas no curto prazo:

O primeiro passo é revisar todos os contratos vigentes que envolvem reembolso de despesas. O modelo atual, muitas vezes baseado em reembolsos sem tributação ou com destaque simbólico, pode não ser mais viável no novo regime, em especial se não houver emissão formal de nota fiscal ou previsão clara sobre a natureza da despesa. A ausência de documento fiscal compatível com o novo sistema poderá inviabilizar a apropriação de créditos e até gerar autuações.

Na mesma linha, é fundamental incorporar cláusulas contratuais específicas que permitam o repasse do tributo ao cliente. Com a adoção do modelo de cobrança “por fora” (preço líquido + tributo destacado), cláusulas de repasse tornam-se essenciais para assegurar a neutralidade econômica da operação, evitando que o fornecedor seja surpreendido com o ônus financeiro do imposto por falta de previsão expressa no contrato.

Outro ponto crítico diz respeito à necessidade de revisão e reestruturação dos modelos operacionais, com especial atenção à emissão regular de notas fiscais em todas as etapas da operação. O novo sistema do IBS e da CBS estará fortemente baseado em controles digitais, escrituração em tempo real e validação por meio da nota fiscal eletrônica, o que exige rigor na formalização de todas as transações econômicas.

Em paralelo, as empresas deverão atualizar seus sistemas de ERP e contabilidade, adaptando-os às novas exigências de destaque do tributo, cálculo de créditos, split payment, controle de alíquotas e parametrizações setoriais.

Por fim, é indispensável monitorar as regulamentações complementares, tanto da Receita Federal quanto do Comitê Gestor do IBS, que ainda trarão definições cruciais sobre alíquotas efetivas, regimes especiais, regras de crédito e obrigações acessórias. A reforma ainda está em fase de consolidação normativa, e acompanhar esse processo em tempo real será vital para evitar surpresas e garantir o alinhamento estratégico da empresa.

5. Conclusão: não há mais espaço para “reembolso inócuo” sob o IVA brasileiro

A reforma tributária inaugura um novo regime de tributação baseado em clareza, transparência e não cumulatividade plena. Modelos tradicionais de reembolso de despesas deixarão de ser sustentáveis juridicamente. As empresas precisam se adaptar desde já para não correrem o risco de ver suas margens encolherem repentinamente, seus contratos possivelmente judicializados e seus clientes insatisfeitos com a perda de créditos.


Luiz Roberto Peroba é Sócio/Tax Partner no Pinheiro Neto. Assessora clientes nacionais e estrangeiros de diversas indústrias, tanto em consultoria/planejamento tributário como contencioso, em disputas administrativas e judiciais.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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