
Por Rafael Camara
Introdução
A reforma tributária aprovada recentemente promete mudar a forma como empresas e cidadãos lidam com os impostos no Brasil. Poucas áreas sentirão tanto seus efeitos quanto o mercado imobiliário, responsável por movimentar bilhões de reais e gerar milhares de empregos todos os anos.
Um dos pontos mais sensíveis é o chamado Regime Especial de Tributação da Incorporação Imobiliária (RET). Criado para simplificar a vida das construtoras e incorporadoras, o RET permite que todos os tributos de um empreendimento sejam pagos de maneira unificada, com uma alíquota fixa sobre a receita mensal. Essa previsibilidade ajudou o setor a planejar obras e investimentos com mais segurança.
Com a chegada do novo sistema de impostos — que substituirá tributos atuais por dois grandes pilares, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — surge a dúvida: como ficará o RET? As regras continuarão as mesmas? Haverá vantagens ou desvantagens para quem constrói e vende imóveis? E, principalmente, como será a transição entre o modelo atual e o futuro?
As regras atuais do RET
O RET Imobiliário foi criado pela Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004. Em linhas gerais, ele permite que a incorporadora de um empreendimento opte por recolher, de forma unificada, todos os tributos federais incidentes sobre a atividade de incorporação, aplicando uma alíquota única de 4% sobre a receita mensal recebida do projeto.
O artigo 4º da Lei 10.931, de 2004, é o dispositivo central: ele institui a possibilidade de tributação unificada e define que, ao optar pelo RET, a incorporadora recolhe em conjunto o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o PIS/Pasep e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Isso significa que, em vez de calcular cada tributo de forma separada, a empresa aplica a alíquota única, em geral de 4%, sobre a receita mensal recebida de vendas ou prestações vinculadas ao empreendimento.
O § 6º do artigo 4º prevê uma regra específica para empreendimentos no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, em que a alíquota é reduzida para 1% (para imóveis na faixa 1 do programa) — mecanismo pensado para estimular a produção de habitação popular e ampliar o acesso à moradia.
Para fins de clareza quanto à forma de repartição da receita tributária mencionada no RET, apresenta-se a seguir a discriminação do percentual de 4% (quatro por cento) estabelecido no dispositivo legal, indicando a parcela correspondente a cada tributo ou contribuição:
Tributo/Contribuição | Percentual (%) |
---|---|
Cofins | 1,71% |
PIS/Pasep | 0,37% |
IRPJ | 1,26% |
CSLL | 0,66% |
Total | 4,00% |
Já para as hipóteses de alíquota de 1%, a distribuição é a seguinte:
Tributo/Contribuição | Percentual (%) |
---|---|
Cofins | 0,44% |
PIS/Pasep | 0,09% |
IRPJ | 0,31% |
CSLL | 0,16% |
Total | 1,00% |
A definição normativa dos critérios de distribuição dos tributos no RET facilita a compreender as regras desse regime e a estimar os impactos que serão causados pela Reforma Tributária.
Como ficará o RET após a reforma tributária?
Com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 214, de 2025, haverá alteração significativa do desenho do RET Imobiliário. A alíquota única de 4% ou de 1% sobre a receita recebida, que hoje concentra IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, não será mantida no mesmo formato. Com a reforma, PIS e Cofins deixam de existir e, em seu lugar, entram IBS e CBS.
A partir da reforma, a tributação da incorporação imobiliária passa a seguir a sistemática do IVA dual (IBS e CBS), que incidirá sobre a receita da venda de imóveis novos.
Além do IBS e da CBS, o setor continuará sujeito à tributação sobre a renda, agora de forma separada. Ou seja, com a reforma, a atividade imobiliária passará a se sujeitar tanto ao IVA dual quanto ao IRPJ e à CSLL.
Como a reforma não alterou as regras do RET quanto ao IRPJ e a CSLL, o setor imobiliário conviverá com dois sistemas: recolherá a tributação sobre a renda pela sistemática do RET, e a IBS e CBS pelo regime novo.
Portanto, a reforma tributária não acabou com o RET, que deverá coexistir com a sistemática do IVA dual. O RET, assim, ficará restrito à tributação da renda.
A alíquota de referência do IVA Dual deve girar em torno de 28%. Esse percentual ainda será definido com exatidão ao longo da transição, mas representa a carga agregada esperada para a maioria das operações de bens e serviços no país.
A própria lei, todavia, previu um tratamento diferenciado para a incorporação de imóveis. Assim, sobre a alíquota padrão de 28%, haverá uma redução de 70%, fazendo com que a alíquota efetiva aplicada às vendas de imóveis novos seja de aproximadamente 8,4%.
O incorporador, portanto, se sujeitará aos seguintes tributos no RET:
Para o RET com alíquota de 4%:
IRPJ | 1,26% |
CSLL | 0,66% |
IBS e CBS | 8,4% (no regime não cumulativo) |
Já para a alíquota de 1%:
IRPJ | 0,31% |
CSLL | 0,16% |
IBS e CBS | 8,4% (no regime não cumulativo) |
É importante esclarecer que o novo sistema tributário permite o creditamento do tributo pago pela incorporadora ao adquirir insumos ou contratar serviços. Logo, é incorreto afirmar que o custo tributário efetivo será de 8,4% sobre o produto da venda.
Além disso, a lei previu redutores de base de cálculo: o redutor de ajuste e o redutor social.
Considerando esse cenário, a atividade de incorporação imobiliária sujeita ao RET, a partir de 2033, deverá recolher IBS e CBS à alíquota de 8,4%, bem como IRPJ e CSLL pela sistemática do RET.
Entretanto, até lá, a Lei Complementar nº 214, de 2025, previu uma regra de transição.
Regras de Transição
O regime de transição da reforma tributária para as operações de incorporação imobiliária submetidas ao patrimônio de afetação foi detalhado no artigo 485 da Lei Complementar nº 214, de 2025, com foco nos empreendimentos iniciados antes de 1º de janeiro de 2029 e submetidos às regras do patrimônio de afetação.
O artigo 485 estabeleceu que, durante o período de transição, os empreendimentos de incorporação imobiliária submetidos ao patrimônio de afetação e iniciados até 1º de janeiro de 2029 poderão continuar recolhendo tributos em patamar equivalente ao do RET atual.
Na prática, isso significa que a soma do IRPJ, da CSLL, da CBS e do IBS ficará limitada ao percentual de 1% ou de 4% da receita mensal recebida, conforme o enquadramento do projeto. Assim, um empreendimento que hoje recolhe 4% continuará recolhendo exatamente 4% durante todo o período de transição, sem sofrer aumento de carga, caso preencha os requisitos legais. O mesmo ocorrerá com os empreendimentos habitacionais de interesse social, que manterão o percentual reduzido de 1%.
A escolha por esse regime transitório implica importantes consequências jurídicas. A incorporadora não poderá apropriar créditos de IBS e de CBS em relação às aquisições de bens e serviços. Além disso, a adoção desse regime impede a aplicação de mecanismos de redução da carga tributária, como os redutores de ajuste e o redutor social.
O artigo 485 ainda determina que os créditos de IBS e CBS decorrentes de custos e despesas indiretos, apropriados pela incorporadora de acordo com o § 4º do artigo 4º da Lei nº 10.931/2004, deverão ser estornados, de modo a evitar a utilização de créditos vinculados a operações sujeitas ao regime especial.
Para melhor compreensão das mudanças trazidas pela reforma tributária em relação ao Regime Especial de Tributação (RET), apresenta-se a seguir um quadro comparativo entre o modelo atualmente em vigor e o que passará a ser aplicado após a implementação do novo sistema. O objetivo é evidenciar, de forma sintética, as principais diferenças quanto à base de incidência, tributos abrangidos, alíquotas e grau de simplicidade de cada regime, facilitando a visualização dos impactos práticos para o setor imobiliário.
Comparativo – RET Atual x RET Futuro
Aspecto | RET Atual | RET Futuro (após a Reforma Tributária) |
---|---|---|
Tributos abrangidos | IRPJ, CSLL, PIS, Cofins | IRPJ e CSLL permanecem no RET; PIS e Cofins substituídos por CBS e IBS (fora do RET) |
Alíquota unificada | 4% sobre a receita (ou 1% no Minha Casa Minha Vida – faixa 1) | RET restrito à renda: IRPJ + CSLL; CBS e IBS recolhidos separadamente |
Forma de recolhimento | Única guia de 4% (ou 1%) sobre receita do empreendimento | Duas frentes: (i) IRPJ e CSLL via RET; (ii) IBS e CBS via regime não cumulativo |
Carga efetiva | 4% ou 1%, conforme o empreendimento | Aproximadamente 8,4% de IBS/CBS (com redução de 70% da alíquota padrão) + IRPJ e CSLL pelo RET |
Aproveitamento de créditos | Não há créditos de PIS/Cofins (regime monofásico fixo) | Haverá créditos de IBS e CBS, mitigando parcialmente a carga tributária |
Segurança jurídica | Estável desde 2004, com poucas alterações pontuais | Maior incerteza: necessidade de regulamentação e adaptação ao IVA dual |
Conclusão
A reforma tributária inaugura uma nova era para o setor imobiliário. Se, de um lado, a regra de transição garante que os empreendimentos iniciados até 2029 não terão aumento imediato de carga tributária, de outro, o cenário após 2033 aponta para mudanças significativas.
A substituição da alíquota fixa de 4% do RET por uma tributação composta pelo IVA dual (IBS e CBS) à alíquota efetiva de 8,4%, somada ao IRPJ e à CSLL, tende a elevar o custo tributário das incorporações. Esse risco é ainda mais relevante para as empresas que hoje se beneficiam da simplicidade e previsibilidade do RET, pois terão de lidar com um modelo mais complexo, baseado em créditos e débitos, cuja efetividade dependerá da estrutura de cada empreendimento.
Assim, embora o regime especial de tributação da renda continue existindo, a probabilidade de aumento da carga tributária é concreta, sobretudo para incorporadoras que operam com baixa capacidade de aproveitamento de créditos. A transição exigirá maior planejamento contábil e estratégico, notadamente para a definição adequada do preço final dos imóveis.
O desafio que se impõe ao setor não é apenas o de compreender as novas regras, mas de se preparar para um ambiente tributário potencialmente mais oneroso.
Pensando nos desdobramentos da Reforma Tributária sobre os diversos setores da economia, será realizado, nos dias 2 e 3 de outubro, o Congresso Empresarial, Tributário e Contábil da Paraíba (CETC-PB) em conjunto com o Aconcarf Itinerante. O evento tem como objetivo discutir os impactos da Reforma, esclarecer dúvidas e apresentar soluções práticas para empresas e profissionais. Entre os temas centrais, estará o futuro do Simples Nacional diante da nova sistemática tributária.
A programação reunirá conselheiros do CARF, auditores da Receita Federal, advogados, contadores, empresários e especialistas, promovendo um espaço de debate qualificado sobre os caminhos possíveis para enfrentar as mudanças.As inscrições podem ser realizadas pelo site: www.aconcarfparaiba.com.br
Rafael Camara: é Advogado e Consultor Legislativo do Senado Federal. Foi Procurador Federal. É graduado e mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). É coordenador do núcleo de planejamento patrimonial e sucessório do escritório Trindade Camara.
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