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A intensa jornada

Por Aline Lara

O ano de 2024 foi de intenso trabalho para os tributaristas, em especial aqueles que independentemente da sua formação acadêmica, atuam e contribuem diariamente no complexo sistema tributário atual. Foram 12 meses de muito estudo e diálogo para que as novas leis fossem as melhores possíveis para o país e, claro, sejam viáveis operacionalmente. 

O Congresso Nacional recebeu visitas de representantes de todas as classes e diversidades, com o objetivo genuíno de defender os interesses de alguma parcela da sociedade civil. A participação da sociedade, por meio de associações, institutos e empresas organizadas, foi certamente um marco histórico para o país e merece ser reconhecida, afinal, somos parte de uma verdadeira democracia.

Há quem diga que deputados e senadores vivem no sossego em Brasília, mas após as experiências que tive o privilégio de viver neste último ano, posso afirmar que há muito trabalho e dedicação por lá. 

Diante de tantos interesses e preocupações, chegamos na aprovação da Lei Complementar que com um sistema tributário cheio de exceções, o que, na prática, representa mais complexidade e insegurança jurídica do que o desejado. No entanto, parece que nada se compara ao sistema caótico que temos hoje, sendo a reforma tributária um avanço importante para o Brasil, apesar dos pesares. 

Um dos pleitos vencedores por lá, que honestamente me causa profunda preocupação como tributarista, foi a manutenção do IPI no ordenamento jurídico tributário. Para beneficiar a Zona Franca de Manaus, que vale ressaltar também obteve benefícios diretamente vinculados a CBS e ao IBS, o IPI continuará incidindo sobre determinado rol de mercadorias que forem produzidas ou importadas fora da região beneficiada. Trata-se de um verdadeiro Frankenstein em uma reforma tributária sobre o consumo onde temos princípios como tributação no destino e neutralidade, afinal quem produzir determinado produto fora da zona franca de Manaus pagará o IPI na origem, que naturalmente passará a fazer parte do custo do produto e, portanto, será base de cálculo para o IBS e a CBS no restante da cadeia. 

Não bastasse a falta de aderência do IPI com o novo sistema tributário, deixamos de ter a substituição de 5 tributos (IPI, Pis, COFINS, ICMS e ISS) por 4 (CBS, IBS, IS e Contribuição Estadual) e acabamos com a mesma quantidade final, o que por pouco não nos permitiu usar um trocadilho deveras conhecido no Rio Grande do Sul “vai trocar seis por meia dúzia”. 

O Imposto Seletivo, apelidado Imposto do Pecado, que nasceu para substituir o IPI agora é um adicional que incidirá sobre bens ou serviços nocivos ao meio ambiente, ou à saúde humana. A Lei Complementar buscou delimitar seu campo de incidência para evitar efeitos nocivos ao bolso do cidadão e a economia do País. Se espera que as interpretações do poder executivo tenham o mesmo espírito. 

A CBS substituirá o PIS e a COFINS já em janeiro de 2027, para a felicidade daqueles que operacionalizam o direito tributário e infelicidade dos que ganham relevantes honorários com teses vinculadas ao direito a crédito dos tributos que serão extintos. É essencial? É relevante? Esperamos que isso fique no passado. Com a CBS é esperado um crédito amplo, com a única exceção dos bens e serviços considerados para uso pessoal, que também foram exemplificados na Lei Complementar com o intuito de evitar restrições ao crédito. Isso nos leva a crer que em 2027 já teremos uma evolução muito importante no que tange a segurança jurídica, simplificação e redução do custo de conformidade. 

Já o IBS, que substituirá o ICMS e o ISS, e está na mesma Lei complementar da CBS (PLP 68), terá uma transição mais lenta, sendo implantado na totalidade somente em 2033. Embora esteja na mesma Lei Complementar e, portanto, sobre a mesma regra matriz de incidência tributária da CBS, preocupa o fato de já termos uma Portaria da RFB, nº 501/2024, citando que se propõe a elaborar e propor o regulamento e as normas infralegais relativas a CBS e IS. Ponto. Isso significa que o IBS terá regulamento e normas infralegais distintas, o que pode tornar o idealizado e moderno IVA Dual dois tributos distintos, afinal a Lei Complementar estabelece premissas importantes, mas não as interpreta, não detalha. 

Ainda mais preocupante é o fato de já identificarmos em notas técnicas de documentos fiscais eletrônicos a criação de blocos distintos para IBS Estadual e IBS Municipal, dando sinais de que permaneceremos com premissas e interpretações diferentes para os diferentes entes. 

Espera-se que o Comitê Gestor do IBS não só consolide o IBS em normas únicas como também observe sinergia total com o regulamento da CBS, que já possui equipe dedicada composta pela Receita. 

Diante desse breve resumo, com a nova habilidade do tributarista brasileiro, a futurologia, conseguimos prever um ano de 2025 de ainda mais trabalho para os tributaristas e operacionalizadores do direito tributário. Enquanto as normas ainda estão sendo escritas e aprovadas, as empresas já precisam correr para adaptar seus processos e sistemas porque em janeiro de 2026 já há necessidade de cálculo e declaração do IBS e da CBS com a alíquota total de 1%. Embora a alíquota seja simbólica, o investimento necessário para as adequações pode ser muito superior à capacidade financeira das empresas. Vamos, de fato, trocar o pneu do carro com ele andando, como diz o dito popular. 

Passamos agora para uma nova fase, que se afasta um pouco dos corredores do congresso nacional e se aproxima da Receita Federal, Comitê Gestor e ENCAT. O tempo de adequação do setor produtivo é curto e os investimentos expressivos. Tão importante e tão complexo quanto construir e aprovar as Leis que orientarão o novo sistema tributário, será colocar em prática, na vida real dos negócios, tudo o que foi idealizado no texto da Lei Sem esquecer, é claro, que o PLP 108 ainda requer aperfeiçoamento e aprovação. 

Chegamos na fase de planejamento, priorização e construção, afinal já podemos ver janeiro de 2026 logo ali e o setor produtivo não vai parar enquanto a mudança acontece. 

O desejo de todos é que o carro não pare nem reduza a velocidade, mesmo com tantos desafios, e que lá em 2033 possamos pisar bem fundo no acelerador, colhendo os frutos da simplificação e segurança jurídica que podem impulsionar o setor produtivo e

consequentemente a economia do país. Um círculo vicioso positivo que gera riqueza, emprego, renda e no fim representa uma vida melhor para cada cidadão brasileiro. A jornada é longa, mas o objetivo é digno.


Aline Lara é contadora, especialista em Direito Tributário pelo IBET RJ e UNISINOS com mais de 15 anos de experiência na área tributária. Gerente Tributário na Lojas Renner S.A


Este artigo foi publicado com exclusividade na 2ª edição da Revista da Reforma Tributária. Adquira seu exemplar aqui.


Os artigos escritos pelos colunistas não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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