
Por Marcos Cintra
A complexidade da tributação no setor financeiro e a falta de entendimento da realidade prática dos atuais formuladores de nossa política tributária pedem uma análise mais profunda do que simplesmente aplicar sobre as atividades financeiras o IVA convencional dos livros textos de economia retirados diretamente da prateleira. É crucial entender a diferença entre a tributação das atividades financeiras e a das transações mercantis de bens e serviços.
A natureza de certos setores, como a agricultura familiar, a incorporação, o loteamento e principalmente o setor financeiro têm peculiaridades que tornam o IVA um tributo inadequado nesses casos. Por isso, muitos países preferem usar Tributos sobre Transações Financeiras (TTF) às operações estritamente financeiras, particularmente operações de crédito em todas suas múltiplas variedades, que são menos problemáticos do que se pensava antes.
A este propósito o Parlamento Europeu acaba de publicar importante avaliação, disponível aqui.
A leitura do relatório do Parlamento Europeu indica que a reforma tributária no Brasil, ao impor o IBS/CBS nas operações financeiras, pode trazer mais desafios do que soluções. O uso de uma técnica tributária que não se encaixa nas particularidades do sistema financeiro, aumenta os custos de compliance e gera distorções fiscais que afetam toda a economia.
É importante lembrar que enquanto o IVA visa a eficiência na tributação do consumo, ele não considera adequadamente os fluxos de capital e o caráter intangível e sobretudo fungível das operações financeiras. Estes elementos, além de não se encaixarem na cadeia de valor típica, frequentemente passam por processos interbancários complexos e instantâneos.
A tributação do setor financeiro é um tema discutido há muito tempo entre especialistas em economia e política. É tributado de forma diferente de outros setores devido à dificuldade de definir sua base de cálculo. Bancos, seguradoras e fundos de investimento não lidam com produtos ou serviços comuns. De acordo com a LC 214/2025, o IBS/CBS será aplicado com base em receitas de operações financeiras, com deduções específicas, tornando o sistema mais complexo e menos claro quanto ao” valor agregado” neste mercado.
Modelos tributários tradicionais como os IVAs foram concebidos para a produção de bens e serviços típicos da economia industrial de meados do século passado. Aplicar este modelo ao setor financeiro moderno é problemático, forçando uma abordagem tributária improvisada e artificial do ponto de vista econômico. Aplicar o IVA a todas as atividades financeiras tem levado a isenções, ajustes, créditos presumidos e complicações práticas, como podem ser facilmente identificadas na LC 214/2025 que as regulam.
A eficiência do IVA está na tributação do “valor adicionado” em produtos e serviços, mas sua aplicação no setor financeiro encontra problemas significativos. Operações financeiras não seguem uma cadeia de produção tradicional. Devido a dificuldades técnicas, na União Europeia, produtos e serviços financeiros são isentos de IVA. Medir o “valor adicionado” em serviços bancários é complexo, pois as operações se baseiam em margens e não em tarifas claras. Enquanto alguns serviços financeiros, como taxas de conta ou corretagem, possuem um “valor agregado” identificável, operações como compra e venda de títulos não se ajustam ao conceito tradicional de valor adicionado do IVA. Isso ocorre porque dinheiro e ativos financeiros são transferidos e seu valor é alterado pelo mercado, não passando por uma produção que agregue valor.
A aplicação do IVA em operações financeiras – como fluxos de capital, compra e venda de ativos financeiros e movimentação de dinheiro – não funciona bem devido à natureza não tangível e sobretudo fungível dessas atividades. Isso torna o modelo de valor adicionado impraticável para operações financeiras. Serviços financeiros, como taxas de conta ou corretagem, têm um “valor agregado” visível. Já em operações como compra e venda de títulos, não ocorre uma transformação que se encaixe no conceito de valor adicionado do IVA. Dinheiro e ativos financeiros são transferidos, e seu valor altera-se por mercado, não passando por uma produção que agrega valor.
O estudo do Parlamento Europeu destaca essas complicações.
Considerando as limitações do IVA na tributação de operações financeiras, os Tributos sobre Transações Financeiras (TTF) emergem como uma alternativa robusta. Apesar das críticas históricas sobre distorções de mercado, novos dados mostram uma realidade diferente. O relatório do Parlamento Europeu aponta que a evidência empírica sobre os TTF na maior volatilidade do mercado é inconclusiva, com alguns casos até apontando uma redução da volatilidade. Embora se tema a redução da liquidez de mercado, esse estudo observa que, em casos como França e Itália, a extensão dessa redução é limitada, com impactos negativos sendo balanceados por benefícios de simplicidade e eficiência.
Há também um receio sobre a evasão fiscal, mas o estudo argumenta que taxas baixas e desenho tributário adequado evitam deslocamentos significativos de capital. Vantagens dos TTF incluem facilidade administrativa, já que impõem custos reduzidos e oferecem consistência na arrecadação de receitas. A base ampla das transações financeiras garante receitas estáveis, evitando a volatilidade vista nos impostos sobre lucros. Nos EUA, simulações indicam que um imposto sobre operações financeiras seria progressivo, afetando principalmente os quintis mais ricos.
Em resumo, o estudo do Parlamento Europeu desmistifica as críticas usuais aos TTF, destacando-os como ferramentas significativas e eficientes para a tributação de operações financeiras, sendo uma alternativa robusta ao insólito IBS/CBS.
Marcos Cintra é doutor em economia pela Harvard University (EUA) e professor-titular e vice-presidente da FGV (Fundação Getulio Vargas). Foi secretário especial da Receita Federal.
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