
Por Gelson Severo
Quem está acompanhando o desenvolvimento dos debates sobre a reforma tributária do consumo concorda que, facilmente, poderíamos chamá-la de reforma de negócios. Além do óbvio, que reside na alteração profunda sobre a tributação em si, o modelo disciplinado pela EC nº 132/2023, LC nº 214/2025 e PLP nº 108/2024, tem incontáveis e ainda desconhecidos reflexos nas relações empresariais, societárias, geográficas, humanas e muito mais.
Muitas empresas e pessoas físicas estão se preparando há tempos para esta mudança. Outras sequer imaginam os impactos e optam por descobrir apenas lá na frente. A preparação para o setor privado é sempre uma escolha, uma faculdade, uma opção. Jamais uma imposição, mesmo que isso determine que a empresa vai quebrar ou se fortalecer.
Já no setor público a regra é outra. As normas da reforma tributária impõem, desde logo aos municípios, um conjunto de medidas urgentes e obrigatórias, cujo não cumprimento reverbera tanto na responsabilização do gestor público quanto na vida daqueles munícipes que dependem do serviço público.
1. Adesão obrigatória à NFS-e Nacional até 01/01/2026 e os Repasses Voluntários
A partir de 1º de janeiro de 2026, todos os municípios brasileiros deverão autorizar seus contribuintes a emitir a Nota Fiscal de Serviços Eletrônica em padrão nacional ou compartilhar os documentos de seus emissores próprios em formato determinado para o ambiente nacional.
Caso contrário, serão impedidos temporariamente de receber transferências voluntárias da União, nos termos do § 7º do art. 62 da LC 214/25.
Essas transferências são recursos financeiros enviados pela União aos Estados, Distrito Federal e Municípios, destinados à implementação descentralizada de políticas públicas. Os valores chegam até as Prefeituras por meio de convênios ou contratos específicos e geralmente são utilizados para aquisição de equipamentos, execução de obras públicas, serviços de engenharia, além de outras ações consideradas essenciais ao interesse coletivo e à qualidade de vida da população local.
Outras consequências lógicas do não atendimento da NFS-e em padrão nacional é o comprometimento da repartição de receitas a ser feita pelo Comitê Gestor do IBS. Visto que a tributação se dará no destino (e não mais na origem como o modelo atual), caso o CG-IBS não identifique em suas bases a ocorrência de determinadas operações no município, este ficará sem o respectivo repasse.
A apropriação de créditos tributários por aquelas empresas que compram produtos e serviços também tende a ficar prejudicada naquelas situações que o documento fiscal não se relacione com o ambiente nacional.
2. Inclusão do Código CIB nos sistemas até 01/01/2027
Outra obrigação legal está no art. 265 da Lei Complementar nº 214/2025, A norma determina que todos os bens imóveis urbanos e rurais devem ser obrigatoriamente inscritos no Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB), parte integrante do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (SINTER). O CIB é um inventário nacional formado por dados enviados pelos cadastros locais e deverá constar, obrigatoriamente, em todos os documentos relativos a obras de construção civil emitidos pelos municípios.
Os prazos estabelecidos pelo artigo 266 da LC 214 para a adequação dos sistemas municipais são:
- Até 1º de janeiro de 2026: Capitais estaduais e Distrito Federal;
- Até 1º de janeiro de 2027: Demais municípios brasileiros.
Diante dessa importante exigência, é fortemente recomendado que os municípios iniciem imediatamente o planejamento e a organização necessários à integração dos cadastros locais ao CIB. O objetivo dessa ação antecipada é assegurar o cumprimento rigoroso dos prazos legais e evitar eventuais prejuízos relativos à regularidade documental e à gestão fiscal municipal.
Esta empreitada municipal, certamente virá acompanhada de uma necessária e por vezes adiada atualização na qualidade dos dados cadastrais e padronização das informações imobiliárias.
3. Reequilibrar contratos administrativos
É fato que inúmeras atividades e segmentos estão preocupadas com o aumento efetivo da carga tributária, e com razão, segmentos como serviços, agronegócio, locação de bens imóveis dentre outros serão impactados negativamente com o novo modelo de negócio. Já outros ramos serão beneficiados com a Reforma. Existem aquelas atividades que pagarão menos impostos do que o cenário atual.
Para ambos os casos, na esfera particular, é de vital importância que os contratos estejam muito bem afinados, de modo a devolver para o comprador ou vendedor o equilíbrio financeiro do cenário que será substituído. Quando tais cláusulas não existirem as partes podem, ou não, repactuar suas relações.
Já na administração pública é ligeiramente diferente. Conforme estabelecem os artigos 374 e 375 da LC 214/2025, todos os contratos celebrados pelos Municípios (União e Estados também), incluindo concessões públicas vigentes na data de entrada em vigor da norma complementar, devem ser ajustados para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro.
Quando o gestor municipal verificar que para determinada atividade houve a redução da carga tributária, em razão das alterações decorrentes da implementação do IVA, a revisão deverá ser feita de ofício pelo Município, assegurando-se aos particulares o direito de manifestação.
Dentre outras particularidades, o gestor público precisará considerar:
- Os efeitos da não cumulatividade nas aquisições e custos da contratada, bem como as regras para apuração dos créditos tributários;
- A possibilidade de repasse financeiro dos novos encargos tributários pela contratada para terceiros;
- Os impactos das alterações tributárias durante o período de transição;
- Os benefícios ou incentivos fiscais relacionados aos tributos que serão extintos.
A imposição de reequilíbrio dos contratos administrativos trazida pela Reforma Tributária impõe desafios complexos dos gestores públicos, exigindo conhecimento profundo para comparar eficientemente dois modelos distintos de tributação, o atual, o futuro e o misto no período transicional.
Conclusão
Fica evidente que os gestores municipais possuem, desde já, uma extensa e urgente lista de ações a serem planejadas e executadas para atender às exigências trazidas pela Reforma Tributária. O cumprimento rigoroso das determinações legais será decisivo não apenas para evitar penalidades e prejuízos financeiros, mas principalmente para garantir a continuidade e a eficiência dos serviços públicos essenciais à população.
Gelson Severo é Advogado tributarista, professor, especialista em Direito Tributário e Administrativo. Head de Tax na ROIT, empresa referência em soluções tecnológicas e estratégicas para gestão fiscal. Atua na liderança de projetos focados em eficiência tributária, incremento de receitas e expansão de negócios.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.