Reforma Tributária e Transfer Pricing: as perguntas que ainda não têm resposta

Por Marcia Janeiro, do Tax Is Cool Plus

O regime brasileiro de preços de transferência passou por uma mudança estrutural com a publicação da Lei nº 14.596/2023, que alinhou a legislação nacional aos padrões da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Desde 2024, a adoção do novo modelo tornou-se obrigatória, substituindo a antiga abordagem prescritiva por uma metodologia pautada no Princípio Arm’s Length.

Sob a ótica da reforma tributária, um dos pontos mais sensíveis — e ainda sem respostas definitivas — diz respeito aos ajustes compensatórios. Esses ajustes ocorrem, por exemplo, quando uma subsidiária brasileira precisa alinhar seus resultados ao intervalo de comparáveis, o que exige a formalização por meio de notas internacionais de crédito ou débito. A prática é comum em grupos multinacionais e busca garantir que os preços praticados entre partes relacionadas reflitam condições de mercado. No entanto, a ausência de clareza quanto à forma documental e aos reflexos fiscais desses lançamentos cria um cenário de incerteza. Assim, a pergunta central permanece: como esses documentos fiscais serão estruturados? Haverá incidência de IBS/CBS sobre valores lançados em decorrência de tais ajustes?

A jurisprudência existente também não oferece segurança no que se refere à incidência de PIS/COFINS — e, por consequência, estende a dúvida às novas contribuições. Em 2016, o CARF (acórdão nº 3402-003.072, caso Nokia) afastou a tributação, mas, em 2018, houve mudança de entendimento (acórdão nº 9303-006.245), reconhecendo a incidência. Resta saber como a reforma tributária tratará o tema: os ajustes compensatórios integrarão ou não a base de cálculo de IBS/CBS?

Outro ponto de destaque envolve os contratos de cost sharing. Trata-se de um modelo de compartilhamento de custos entre empresas de um mesmo grupo multinacional, no qual cada parte arca proporcionalmente com despesas comuns — como investimentos em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento ou serviços corporativos centrais. A lógica é que cada empresa participante pague apenas pela fração do custo correspondente ao benefício que recebe, evitando, assim, uma transferência artificial de lucros.

Pelas novas regras de TP, serviços de baixo valor agregado devem observar uma margem de 5% sobre os custos rateados, em vez de apenas repassar os valores de forma proporcional. Essa alteração levanta novas questões: essa margem de 5% implicará, necessariamente, incidência de IBS/CBS? Em situações de ajustes de crédito ou débito, como será feita a emissão das notas fiscais correspondentes e qual o tratamento tributário a ser adotado?

Essas reflexões evidenciam que o encontro entre reforma tributária e transfer pricing inaugura uma frente de debates ainda em construção, exigindo acompanhamento próximo das empresas e dos profissionais da área.


Márcia Janeiro é Gerente Tributária com mais de 10 anos de experiência, formada em Economia e Ciências Contábeis, com MBA em Data Intelligence & Analytics. Com passagem por Big4, hoje lidera projetos estratégicos em uma multinacional do agronegócio, integrando compliance, planejamento e transformação tributária. Tem como propósito desenvolver soluções inovadoras e formar equipes de alta performance.

Esse artigo foi escrito por integrantes do Tax Is Cool Plus que fazem parte do Comitê de Reforma Tributária.


Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.

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