
Por Caroliny Barbosa
A reforma tributária já começou a redesenhar as premissas econômicas e operacionais das concessões rodoviárias no Brasil. Em evento promovido pela B3, em parceria com os escritórios Cascione Advogados e Queiroz Maluf Reis Inteligência Jurídica, autoridades fiscais, reguladores e representantes do setor discutiram os riscos, as lacunas e as oportunidades trazidas pelo novo sistema.
A avaliação predominante foi de que o modelo do IVA dual tende a trazer maior transparência e eficiência, mas impõe desafios relevantes de transição, especialmente no reequilíbrio dos contratos já em andamento.
Nova lógica de investimento: fim da guerra fiscal, início da disputa por logística
Com o avanço da reforma, o modelo de incentivos fiscais como critério decisório perde espaço. “Agora o que importa é o custo logístico. Nunca foi tão relevante investir em infraestrutura”, defendeu Marco Aurélio Barcelos, presidente da ABCR. Para ele, o Brasil vive uma mudança de chave: “Nós somos um país rodoviário. Fazer concessão de rodovia passou a ser um ponto fulcral para o desenvolvimento regional”.
George Santoro, secretário executivo do Ministério dos Transportes, reforçou a tese: “Se mantivermos o status anterior do Fundo de Desenvolvimento Regional, estaremos financiando ineficiências. A nova diferenciação entre estados virá da logística, não de incentivos fiscais”.
Neutralidade e créditos: alíquotas altas, mas impacto diluído nas operações B2B
Vanessa Rahal Canado, professora no Insper, explicou que, apesar da alíquota nominal de 28% assustar o setor, o modelo de IVA dual é estruturalmente vantajoso. “É melhor ter um tributo de 28% creditável do que um de 2% não creditável. A lógica da neutralidade se impõe nas operações entre empresas”.
Canado lembrou que o grande desafio não está na alíquota em si, mas na transição. “A fase será dolorosa, porque o acúmulo de créditos e a devolução rápida ainda não estão assegurados. A chave está no funcionamento pleno do split payment”.
Contabilidade tributária: o novo desafio para a modelagem dos contratos
George Santoro fez um alerta contundente: “Muitas consultorias ainda não sabem calcular o impacto da reforma. Isso é dramático”. Ele defendeu que os estudos de viabilidade passem a incorporar as premissas da nova tributação desde já. “Estamos exigindo que estruturadoras considerem a reforma nas novas modelagens”.
André Isper, diretor da ARTESP, destacou que a transição não será linear e exigirá planejamento antecipado. “Vamos modelar as concessionárias com base em dados históricos e hipóteses simuladas. É a única forma de entrar em 2027 com os contratos equilibrados”.
Setor cobra celeridade e racionalidade no reequilíbrio dos contratos
O reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos foi apontado como um dos pontos mais sensíveis do processo. “A reforma foi ótima, mas pecou ao não prever consequências para o não cumprimento do prazo de reequilíbrio”, criticou Marco Aurélio. Para ele, o risco de descrédito institucional é real: “Se perdermos o prazo, ele deixa de existir. É como se nunca tivesse havido”.
Rafael Vega, sócio do Cascione, destacou que as curvas de impacto não são lineares. “No D1, a alíquota efetiva pode ir a 8,8% com zero de crédito sobre CAPEX já realizado. Só com novos investimentos o crédito se materializa. É um problema prático e imediato”.
Desigualdade regional e o papel do FNDR
André Horta Melo, diretor do Comsefaz, retomou a crítica à forma como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional será distribuído. “A fórmula que usamos dilui o efeito redistributivo. O FNDR precisa cumprir uma função que o FPE nunca conseguiu: reduzir desigualdades regionais de forma concreta”.
Ele também defendeu que o modelo de origem e destino seja finalmente implementado. “Levamos meio século para migrar o imposto para o destino. Isso muda a geografia do investimento e do desenvolvimento”.
Setor defende debate sobre regime específico para concessões
Por fim, Marco Aurélio lamentou a não aprovação de um regime tributário diferenciado para serviços públicos. “Nós não somos B2B nem B2C. Somos monopólios naturais, com tarifas fixadas por contrato e sem margem para repasse automático”. Segundo ele, há uma distorção: “O Tesouro deixa de bancar o custo da infraestrutura, mas passa a arrecadar 25% a 30% da tarifa do usuário via tributos”.