
Por Rodolfo Paiva e Álvaro Reis
I – Introdução
A Reforma Tributária buscou garantir, ao menos em tese, uniformidade e simplicidade do sistema tributário, ao determinar que todos os fornecimentos de bens e serviços se sujeitem às mesmas regras de base de cálculo, alíquota, fato gerador, entre outros.
Entretanto, algumas cadeias econômicas não se adequam à sistemática de crédito e débito aplicável aos bens e serviços em geral. Essa circunstância exigiu esforço do legislador para elaboração de regramentos específicos que pudessem captar com maior precisão a riqueza envolvida (e especialmente o valor agregado) nesses fornecimentos.
Nesse grupo se enquadram as operações com bens imóveis.
Para essas operações, a EC 132/23 previu regime específico de tributação que pode ter regras próprias sobre não cumulatividade, alíquota e base de cálculo.
A LC 214/25 seguiu o comando constitucional, ao prever regras específicas para o regime de bens imóveis e mesclar dois modelos de não cumulatividade, na tentativa de atingir a neutralidade prevista como guia do novo sistema.
Pelo primeiro, o sistema de crédito e débito, o legislador garantiu que os valores de IBS e CBS incidentes na operação poderão ser compensados com os tributos recolhidos na etapa anterior da cadeia econômica. Nesse ponto, seguiu o regime geral.
Pelo segundo, em quea não cumulatividade é garantida mediante dedução de certas despesas da base de cálculo, criou-se a figura do redutor de ajuste. Esse redutor corresponde a um valor vinculado ao imóvel, o qual deve ser deduzido da base de cálculo de IBS e CBS quando da alienação do bem. Diferente dos créditos da não cumulatividade, o redutor (i) afeta diretamente o critério quantitativo da hipótese de incidência ao reduzir a base de cálculo dos tributos e (ii) é “físico”, por estar relacionado a um bem em particular.
Como mencionado, as duas medidas têm por escopo garantir a neutralidade nas operações com bens imóveis, cada qual a seu modo. Também é possível defender que essas medidas, inclusive o redutor de ajuste, têm por objetivo a não cumulatividade e a garantia de tributação exclusiva do valor agregado naquela operação – seria o “efeito IVA” desejado pelo legislador[1].
Leia mais:
II – Conflito entre o redutor estático e dinâmico
Ocorre que o redutor de ajuste, sobretudo por se tratar de instituto novo, tem despertado discussões relevantes sobre sua implementação.
A principal delas corresponde a uma dúvida sobre o valor do redutor: (i) ficará atrelado à primeira aquisição (estático) ou (ii) será atualizado a cada nova operação (dinâmico)?
Favoravelmente à primeira posição, o art. 257 prevê que o redutor de ajuste será equivalente ao seu valor inicial[2], fixado nos termos do art. 258, e destaca expressamente que será mantido com mesmo valor e critério de correção (parágrafo 4º, inciso I):
Art. 257.A partir de 1º de janeiro de 2027, será vinculado a cada imóvel de propriedade de contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS valor correspondente ao respectivo redutor de ajuste, nos termos do regulamento.
[…]
§ 2º O valor do redutor de ajuste é composto:
I – por seu valor inicial, nos termos do caputdo art. 258; e
II – pelos valores dispostos no § 6º do art. 258.
§ 3º Os valores de que tratam os incisos I e II do § 2º deste artigo serão corrigidos pelo IPCA ou por outro índice que vier a substituí-lo da data de sua constituição até a data em que são devidos o IBS e a CBS incidentes na alienação do bem imóvel.
§ 4º Na alienação do bem imóvel, o redutor de ajuste:
I – será mantido com o mesmo valor e o mesmo critério de correção, no caso de o imóvel ser adquirido por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS;
II – será extinto nos demais casos.
Essa regra parece direcionar o entendimento de que o redutor ficaria “travado” a partir da data de sua constituição inicial, apenas com atualização pelo IPCA até a data de ocorrência de novas operações com aquele imóvel, independentemente do número de operações posteriores à data de sua constituição (redutor estático).
Ou seja, na aquisição do imóvel em 2027 com valor de R$1milhão e posteriores alienações nos anos de 2030, 2033 e 2036, para contribuintes, o redutor de ajuste na cadeia de transmissão do imóvel seria sempre igual ao custo de aquisição inicial (R$1milhão), atualizado pelo IPCA até 2030, 2033 e 2036 respectivamente[3], somado a outras despesas previstas em lei (art. 258, parágrafo 6º).
Só haveria modificação efetiva desse valor caso houvesse uma alienação a não contribuinte, com posterior alienação deste para um novo contribuinte de IBS e CBS. Nessa hipótese, o valor de aquisição do imóvel pelo novo contribuinte seria considerado um novo redutor de ajuste, dada a extinção do redutor original quando da aquisição pelo alienante não contribuinte (art. 258, parágrafo 4º, inciso I).
Mais alinhado à segunda posição, o art. 258 prevê os seguintes critérios para quantificação do redutor:
Art. 258.O valor inicial do redutor de ajuste corresponde:
I – no caso de bens imóveis de propriedade do contribuinte em 31 de dezembro de 2026:
a) ao valor de aquisição do imóvel atualizado nos termos do § 4º deste artigo; ou
b) por opção do contribuinte, ao valor de referência de que trata o art. 256 desta Lei Complementar;
II – no caso de bens imóveis em construção em 31 de dezembro de 2026, à soma:
a) do valor de aquisição do terreno, constante dos instrumentos mencionados na forma do § 1º do art. 254, atualizado nos termos do § 4º deste artigo; e
b) do valor dos bens e serviços que possam ser contabilizados como custo de produção do bem imóvel ou como despesa direta relacionada à produção ou comercialização do bem imóvel adquiridos anteriormente a 1º de janeiro de 2027, comprovado com base em documentos fiscais idôneos, atualizado nos termos do § 4º deste artigo;
III – no caso de bens imóveis adquiridos a partir de 1º de janeiro de 2027, ao valor de aquisição do bem imóvel.
§ 1º A data de constituição do redutor de ajuste é:
I – no caso dos incisos I e II do caputdeste artigo, 31 de dezembro de 2026;
II – no caso do inciso III do caputdeste artigo, a data da operação.
Em resumo, o artigo define três cenários para definição do valor do redutor de ajuste:
- Bens imóveis adquiridos até dez/2026: valor de aquisição do imóvel atualizado até 31.12.2026 ou valor de referência determinado pelo Fisco
- Bens imóveis em construção em dez/2026: valor de aquisição do terreno e “custos/despesas de construção” atualizados até 31.12.2026;
- Bens imóveis adquiridos a partir de jan/2027: valor de aquisição do imóvel na data da operação.
Ao que parece, a ideia de redutor estático não se alinha com a redação do art. 258, inciso III c/c parágrafo 1º, inciso II (hipótese 3 acima). O inciso prevê que o redutor após 1.1.2027 será constituído na “data da operação”. Essa redação pode indicar que a cada alienação surgiria um novo valor para o redutor de ajuste, que sofre atualização pelo IPCA até a data da nova alienação (redutor dinâmico).
Note-se que o dispositivo não se refere à “data da primeira operação” após o termo inicial (1.1.2027), mas simplesmente à “data da operação”, que é termo bem mais amplo.
Retome-se o exemplo apresentado (de sucessivas alienações entre 2027 e 2036): diferentemente do cenário anterior, o redutor de ajuste em 2036 corresponderia ao custo de aquisição em 2033 e o redutor em 2033, por sua vez, ao custo de aquisição em 2030. O valor de R$ 1 milhão, correspondente ao custo da aquisição em 2027, seria apenas aplicável para a operação realizada em 2030. Todos os valores seriam atualizados pelo IPCA.
Esta parece ser a interpretação que melhor se conforma à redação do art. 258, parágrafo 1º, inciso II da LC 214/25.
III – A norma antielisiva do art. 258 e o redutor dinâmico
Complementarmente, o parágrafo 5º do art. 258 contém norma antielisiva que aparenta confirmar a hipótese de redutor dinâmico:
Art. 258. O valor inicial do redutor de ajuste corresponde:
I – no caso de bens imóveis de propriedade do contribuinte em 31 de dezembro de 2026:
a) ao valor de aquisição do imóvel atualizado nos termos do § 4º deste artigo; ou
b) por opção do contribuinte, ao valor de referência de que trata o art. 256 desta Lei Complementar;
II – no caso de bens imóveis em construção em 31 de dezembro de 2026, à soma:
a) do valor de aquisição do terreno, constante dos instrumentos mencionados na forma do § 1º do art. 254, atualizado nos termos do § 4º deste artigo; e
b) do valor dos bens e serviços que possam ser contabilizados como custo de produção do bem imóvel ou como despesa direta relacionada à produção ou comercialização do bem imóvel adquiridos anteriormente a 1º de janeiro de 2027, comprovado com base em documentos fiscais idôneos, atualizado nos termos do § 4º deste artigo;
III – no caso de bens imóveis adquiridos a partir de 1º de janeiro de 2027, ao valor de aquisição do bem imóvel.
§ 1º A data de constituição do redutor de ajuste é:
I – no caso dos incisos I e II do caput deste artigo, 31 de dezembro de 2026;
II – no caso do inciso III do caput deste artigo, a data da operação.
De acordo com o dispositivo, o redutor de ajuste permanece igual ao custo de aquisição do penúltimo alienante, atualizado pelo IPCA, na seguinte hipótese (critérios cumulativos):
- Alienação em prazo inferior a 3 anos da data de aquisição do imóvel;
- Imóvel adquirido de contribuinte do regime regular;
- Não seja comprovado o recolhimento, pelo alienante, do Imposto de Renda sobre ganho de capital (IR) e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).
A norma aparentemente busca evitar a inclusão de um adquirente/alienante simulado na cadeia – seja uma pessoa física não contribuinte ou um contribuinte que não realizará o recolhimento do tributo (ex. empresa de fachada) – com o fim de aumentar artificialmente o valor do redutor de ajuste sem o correspondente recolhimento do IBS e da CBS. Com esse fim, os requisitos supramencionados podem ser entendidos como critérios presuntivos de uma operação simulada.
Veja-se um outro exemplo que ilustra a aplicação da norma antielisiva em uma cadeia de transmissão do bem imóvel entre quatro pessoas – mediante comparativo entre um cenário regular e o cenário qualificado pela norma[4].
Cenário regular de utilização do redutor:
Na operação de A para B, ambos contribuintes[5], aplica-se como redutor o custo de aquisição de A (R$ 1 milhão). Em um cenário regular, por sua vez, o redutor de ajuste da alienação de B para C seria equivalente ao custo de aquisição incorrido por B (R$ 1,2 milhão). E, por fim, o redutor na alienação de C para D corresponderia ao custo de aquisição de C (R$ 1,4 milhão). Essa corresponde à situação em que não há vícios na cadeia de transmissão do imóvel, de modo que o redutor é utilizado segundo o valor do custo de aquisição de cada alienante.
Entretanto, caso constatados os critérios previstos no art. 258, parágrafo 5º, o redutor de ajuste no meio da cadeia ficaria limitado ao custo de aquisição do alienante anterior. Veja-se, agora, o cenário previsto pela norma antielisiva:
Cenário irregular de utilização do redutor:
Na hipótese acima, a alienação realizada entre os contribuintes A e B segue o curso normal quanto à aplicação do redutor de ajuste. Por sua vez, na segunda alienação, B não sofre a incidência de IBS e CBS na sua venda (caso seja não contribuinte) ou não realiza o recolhimento dos tributos (caso seja contribuinte – o que ocorre, por exemplo, com empresas de fachada).
Os critérios de i) alienação por prazo inferior a 3 anos, ii) aquisição de contribuinte e iii) não recolhimento de IR e ITBI são os parâmetros adotados pela lei para presumir que a interposição de B na cadeia tem fins de simulação/planejamento tributário abusivo[6].
Isto é, presume-se que B teria sido incluído na cadeia com o fim de aumentar artificialmente o redutor de ajuste que será aplicado nas próximas operações, seja porque não haverá incidência na sua alienação ou porque, mesmo havendo, B não realizará o recolhimento do IBS e da CBS devidos.
Na alienação realizada por C para D, o valor do redutor não será equivalente ao custo de aquisição do imóvel por C, mas sim ao custo de aquisição do imóvel por B. Assim, o caput do parágrafo 5º, ao consignar que o redutor será equivalente “ao valor de aquisição do bem imóvel pelo alienante”, faria referência ao penúltimo alienante da cadeia de operação (B), não ao último (C).
A norma contém, pois, uma espécie de sanção, que limita o redutor de ajuste na operação de C para D ao valor de aquisição do imóvel pelo contribuinte B, e razão da presunção de que a inclusão de B foi artificial. Ou seja:
- Não se permite que o contribuinte C utilize o redutor de ajuste correspondente ao seu custo de aquisição do imóvel;
- Além de vincular o redutor de ajuste à operação pela qual o contribuinte B adquiriu o imóvel, ainda se exclui dele o ITBI e eventuais outros encargos incidentes naquela ocasião.
Ora, caso se adote a interpretação de que há um redutor de ajuste estático, a sanção prevista na norma antielisiva chegaria a resultado semelhante ao de uma operação não atingida pela reprimenda, com exceção apenas quanto à possibilidade (ou não) de dedução de tributos e encargos incidentes sobre a operação anterior. Haveria pouca eficácia sancionatória na norma antielisiva, pois o redutor de ajuste não poderia ser manipulado entre as operações, já que ficaria “travado” a partir do seu marco inicial, definido nos termos dos incisos do caput do art. 258.
De outro lado, é importante destacar que a norma também poderia ser interpretada de forma a confirmar a hipótese do redutor estático. Sob premissa diversa, de que apenas as alienações por não contribuinte geram um novo redutor de ajuste, com valor desvinculado das etapas anteriores, é possível defender que a norma visa evitar apenas a inclusão artificial de não contribuinte e garantir que o valor do redutor seja o seu custo original (valor inicial) atualizado pelo IPCA a cada nova alienação feita por contribuinte[7].
Essa é uma interpretação possível. Porém, a regra não trata especificamente de cadeias que envolvam não contribuintes, mas de todas as operações com imóveis, inclusive cadeias de alienação com participação exclusiva de contribuintes. Assim, se o legislador buscasse atingir apenas a “operação simulada” por meio da inclusão de não contribuintes, a norma deveria ter sido precisa nesse sentido.
IV – Conclusão
Da forma como foi redigido o capítulo da LC 214/2025 destinado a bens imóveis, existe uma aparente incompatibilidade entre as regras ali previstas, em prejuízo da correta compreensão da norma.
A princípio, o art. 257, parágrafo 4º, inciso I da LC 214/2025 (que determina que o redutor se mantém com o mesmo valor e critério de correção) pode ser apenas resquício da redação original do Projeto de Lei Complementar n. 68/2024.
A redação original previa que o redutor de ajuste seria constituído apenas uma vez e seria “consumido” nas operações seguintes até que houvesse interrupção da cadeia com a venda de imóvel a não contribuinte ou sua redução a zero[8]. Veja-se:
Art. 242. O redutor de ajuste corresponde:
I – no caso de bens imóveis de propriedade do contribuinte em 31 de dezembro de 2026, ao valor de referência do imóvel nesta data;
II – no caso de bens imóveis adquiridos a partir de 1º de janeiro de 2027 de alienante não sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, o menor entre:
a) o valor da aquisição do bem imóvel; ou
b) o valor de referência do imóvel;
III – no caso de bens imóveis adquiridos a partir de 1º de janeiro de 2027 de alienante sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, o saldo não utilizado do redutor de ajuste relativo ao bem imóvel.
[…]
Art. 244. Na alienação do bem imóvel por contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, a base de cálculo da operação será reduzida em montante equivalente ao saldo do redutor de ajuste na data da operação.
§ 1º Na alienação para contribuinte sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, o saldo correspondente ao redutor de ajuste de que trata o caput será mantido e poderá ser utilizado pelo adquirente.
§ 2º Na alienação para adquirente não sujeito ao regime regular do IBS e da CBS, extingue-se o redutor de ajuste vinculado ao imóvel.
Naquele contexto, fazia sentido a previsão quanto à manutenção do valor do redutor de ajuste, considerando que as transferências após 2027 estavam lastreados no remanescente do redutor originalmente constituído.
Porém, nesse novo contexto em que o redutor é constituído com base na data da operação e não se “consome” no tempo, a previsão de manutenção do valor é desnecessária para operacionalização da regra. Ao contrário, a constituição do redutor de ajuste na “data de operação” sinaliza que a cada operação surgirá um novo redutor, a ser deduzido do valor de alienação na operação subsequente.
Em suma, quem compreende que o redutor de ajuste é estático se apega à redação do art. 257 da lei complementar e ao fato de que um redutor de ajuste menor geraria créditos maiores na operação, que neutralizariam o efeito da sua defasagem. No mesmo sentido, alegaria que a norma antielisiva presente no art. 258, parágrafo 5º, tem por intuito justamente punir a inserção artificial de um não contribuinte entre as vendas de um imóvel, a fim de evitar o advento de um redutor de ajuste artificialmente maior.
Em sentido oposto, quem compreende existir um redutor dinâmico se apega à redação literal do art. 258, parágrafo 1º, inciso III da LC 214/25 e à interpretação de que a norma antielisiva do mesmo artigo pressupõe a atualização do redutor a cada nova operação. Em acréscimo a essa corrente, ainda haveria os seguintes argumentos:
- A criação de um redutor de ajuste a cada operação garante certa compatibilidade entre o valor de aquisição e o valor de venda;
- A redação original (de consumo progressivo do redutor nas alienações entre contribuintes) foi reformada justamente para evitar a ideia de um redutor de ajuste “insuficiente” na cadeia comercial de um imóvel;
- Tal como concebido na legislação, o redutor visa abater a carga atual do contribuinte (ao permitir o abatimento da base de cálculo da sua alienação). Se o valor do redutor fica vinculado ao custo de aquisição original da cadeia, há uma anulação da eficácia do instituto no tempo;
- Assim, o redutor de ajuste estático pode se tornar ínfimo ao longo da cadeia, de modo que a tributação de operação com bem imóvel se torne semelhante àquela do regime geral (crédito x débito);
- A ideia de que o aumento do crédito sobre a operação compensaria a diminuição do redutor de ajuste está equivocada porque:
- A utilização exclusiva ou majoritária da metodologia de crédito e débito não foi a opção feita pelo legislador, justamente por se compreender que ela é insuficiente a captar corretamente a riqueza tributável nessas operações;
- A ideia do redutor de ajuste (“critério físico” de apuração), em oposição ao crédito (“critério financeiro” de apuração), pode evitar potencial efeito inflacionário dos tributos na comercialização de imóveis, já que, à época da nova alienação, o crédito de operação anterior já terá sido diluído na escrita fiscal do contribuinte nos meses que se seguirem à aquisição;
- O redutor de ajuste, em contraposição ao crédito, é atualizado até a data da alienação, de forma a corrigir uma defasagem econômica que decorreria da adoção exclusiva da sistemática de créditos;
- Para os cofres públicos, também pode haver um efeito importante decorrente desse critério mais “físico” de apuração, de modo a evitar que grandes quantidades de crédito sejam despejadas na escrita fiscal do contribuinte adquirente de imóvel, especialmente porque há previsão de devolução do saldo credor rapidamente aos contribuintes.
- Ademais, se o legislador desejasse um redutor estático e que perdesse sua eficácia progressivamente, deveria ter elaborado o texto legal de forma a evidenciar a natureza transitória do redutor ou, alternativamente, criar crédito presumido de IBS e CBS vinculado ao imóvel;
- Diferentemente disso, criou o redutor como um instituto permanente do regime de bens imóveis, o que parece elucidar o interesse pela convivência das duas técnicas de não cumulatividade previstas no texto da lei.
Nesses termos, a adoção de uma interpretação dinâmica do redutor de ajuste parece ter maior coerência com a própria finalidade de instituição desse mecanismo de redução da base de cálculo, que será apenas complementada pela regra geral de créditos e débitos nesse regime específico.
Apesar disso, o regulamento precisará esclarecer a forma de operacionalização do redutor, para evitar discussões sobre o seu efetivo valor e a interpretação dos dispositivos legais, sobretudo diante de um cenário em que a lei fundamenta argumentos legítimos em favor da interpretação estática e da dinâmica.
Os apontamentos acima iluminam apenas alguns dos problemas do regime específico de bens imóveis e da própria lei complementar, dentre outros ainda pendentes de regulamentação e, eventualmente, de adequação legislativa.
Enfim, pontos de reflexão de muitos que ainda virão.
[1] Sobre o “efeito IVA”, cf. PAIVA, Rodolfo Gregório; BATISTI, Gabriel Miranda. Dispensa da não cumulatividade em regimes específicos de IBS e CBS: interpretação da norma, risco à neutralidade e o exemplo negativo do regime de bens imóveis. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coord.). Caderno de Pesquisas Tributárias, n. 49 (Série APET, n. 5). IVA Dual: não cumulatividade posta na EC n. 132/2023. MP Editora, 2024, p. 447-466.
[2] A LC 214/25 não define o conceito de valor inicial, visto que apenas disciplina a forma de sua determinação quantitativa. Contudo, é possível afirmar que se trata do valor-base ou principal (relacionado ao custo de aquisição do bem imóvel) que constitui o redutor de ajuste.
[3] Para fins de simplificação, desconsidere-se o enquadramento dessas operações na norma antielisiva do art. 258, parágrafo 5º da LC 214/25, que será abordada na sequência.
[4] De forma a facilitar a exposição, denominamos “cenário regular” aquele idealmente previsto pelo legislador e irregular o cenário no qual o redutor de ajuste é presumivelmente manipulado.
[5] Presume-se que ambos são contribuintes para fins da aplicação do redutor de ajuste. As alienações por não contribuinte, por não serem tributadas, independem da figura do redutor da base de cálculo.
[6] A definição do valor da operação também é ilustrativa. A escolha quanto a um custo de aquisição menor para B no segundo exemplo (R$ 500 mil) busca evidenciar a hipótese mais gravosa do planejamento abusivo, na qual os próprios valores de venda para B seriam manipulados em razão da interposição simulada. De todo modo, o argumento pode ser compreendido mesmo com a manutenção dos valores do primeiro cenário.
[7] Entendemos que essa leitura também poderia ser baseada nas disposições sobre o redutor de ajuste aplicáveis durante o período de transição (cf. arts. 485, parágrafo 5º, e 486, parágrafo 6º da LC 214/25).
[8] Essa previsão foi mantida na versão aprovada na Câmara dos Deputados (cf. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2456606&filename=Tramitacao-PLP%2068/2024). A regra atual decorre de alteração realizada no Senado Federal.
Rodolfo Paiva e Álvaro Reis são advogados no Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados. Atuam na consultoria, contencioso administrativo relacionado a tributos indiretos, em especial ICMS, IPI, ISS e Tributação Aduaneira / Comércio Exterior.
Os artigos escritos pelos “colunistas” não refletem necessariamente a opinião do Portal da Reforma Tributária. Os textos visam promover o debate sobre temas relevantes para o país.