
Por Gabriela Bittencourt Zanella e Ricardo Anderle
A Emenda Constitucional nº 132/2023 e a Lei Complementar nº 214/2025 desenham um novo modelo de tributação sobre o consumo no Brasil, marcado por simplificação, uniformização de alíquotas e fortalecimento da transparência fiscal. Ao lado dessas inovações, emerge um novo cenário para o contencioso tributário e, com ele, a necessidade de repensar os instrumentos de resolução de litígios, especialmente a transação tributária.
Embora a transação esteja consolidada na legislação federal desde 2020, com resultados relevantes na esfera da dívida ativa da União, seu papel ganha novos contornos diante da reforma. A substituição de tributos como ICMS, ISS, PIS e Cofins por IBS e CBS, somada à criação de um contencioso administrativo dual (federal e estadual-municipal), impõe novos desafios — e também oportunidades — à gestão fiscal e à política de conformidade.
A transação tributária será cada vez mais relevante em um ambiente de adaptação regulatória, jurisprudencial e operacional. Isso porque o processo de implementação dos novos tributos inevitavelmente acarretará inseguranças: interpretações divergentes, regimes de transição, dúvidas sobre fatos geradores, base de cálculo, não-cumulatividade, substituição de obrigações acessórias, entre outros.
A possibilidade de negociar, com transparência, a forma de extinção do passivo tributário é, para o contribuinte, um importante instrumento de planejamento e previsibilidade. Empresas que enfrentarem passivos decorrentes da divergência interpretativa quanto à incidência de IBS e CBS terão na transação uma alternativa legítima, e economicamente viável de solução.
A transação tributária permite soluções adaptadas à realidade de cada contribuinte, com critérios técnicos de concessão baseados na capacidade de pagamento e na recuperabilidade do crédito. Os números confirmam o potencial do instituto. Em 2024, mais da metade do valor recuperado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, equivalente a mais de R$ 34 bilhões em dívidas tributárias, foi obtido via soluções de consensualidade. No âmbito estadual, São Paulo negociou R$ 44,2 bilhões de ICMS inscritos na dívida ativa paulista, e outros Estados, como Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Ceará, vêm colhendo resultados expressivos.
Esses dados revelam não apenas a eficácia arrecadatória da transação, mas também a sua capacidade de gerar soluções juridicamente estáveis e vantajosas para ambas as partes. Trata-se de um avanço institucional que, se bem regulado no contexto da reforma, pode garantir previsibilidade para o contribuinte, racionalidade para o Fisco e maturidade para o sistema tributário como um todo.
Nesse contexto, o instrumento da transação — com sua flexibilidade, tecnicidade e capacidade de acomodar interesses legítimos do Fisco e do contribuinte — revela-se especialmente adequado para lidar com o eventual passivo que se formará no curto e médio prazo.
Paralelamente, a reforma tributária altera profundamente o contencioso fiscal nacional. A previsão de um Conselho Federativo responsável pela administração do IBS, bem como a criação de um contencioso administrativo unificado para Estados e Municípios, exige um redesenho institucional que assegure celeridade e legitimidade às decisões.
Esse novo contencioso demandará profissionais com profundo domínio das normas de regência, das garantias constitucionais do contribuinte, dos princípios da nova tributação, bem como da experiência acumulada em modelos federativos comparados.
Mais do que uma ferramenta pontual, a transação se consolida como eixo central de uma política fiscal moderna. Um Estado que transaciona é um Estado que reconhece a complexidade das relações econômicas e que opta por mecanismos colaborativos de solução de conflitos.
Nesse cenário, o fortalecimento de práticas de conformidade fiscal, e o domínio sobre instrumentos como a transação tributária serão fatores determinantes para empresas que desejam manter sua regularidade fiscal, preservando sua competitividade e sustentabilidade financeira.
Mais do que uma solução emergencial, a transação tributária se consolidará como elemento central de uma política fiscal moderna, que une eficiência arrecadatória e segurança jurídica.
Gabriela Bittencourt Zanella é mestre em Direito pela UFSC. Especialista em Direito Tributário pela PUC/SP e pelo IBET. Autora de livro e de artigos publicados em revistas especializadas. Advogada sócia da Menezes Niebuhr, com atuação destacada em contencioso.
Ricardo Anderle é doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela USP. Ex-Conselheiro do CARF da Receita Federal. Especialista em Direito Tributário pelo IBET e IBDT e especialista em Direito Processual Civil pela UFSC. Autor e coautor de livros e de artigos publicados em revistas especializadas. Advogado sócio da Menezes Niebuhr. Professor. Coordenador do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET em Santa Catarina.
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