
Introdução
Com a promulgação da Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, o Brasil dá um passo decisivo na implementação da Reforma Tributária do Consumo, instituindo o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Entre os diversos dispositivos da nova legislação, o Art. 14 assume papel estratégico ao tratar da definição das alíquotas-padrão desses tributos por cada ente federativo.
Este artigo estabelece de forma clara como a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal exercerão suas competências legislativas na fixação das alíquotas do IBS e da CBS, com reflexos diretos na sistemática de apuração e no modelo de conformidade tributária. Além disso, traz uma importante exceção aplicável às operações realizadas no arquipélago de Fernando de Noronha.
Este informativo tem como objetivo analisar os aspectos técnicos e práticos do Art. 14, destacando sua importância no equilíbrio federativo, seus impactos sobre a tributação no novo modelo de imposto sobre o consumo e as particularidades operacionais que os contribuintes e profissionais da área devem observar.
Contexto do Art. 14 da Lei Complementar nº 214/2025
O Art. 14 da LC nº 214/2025 está inserido na Seção VI – Das Alíquotas, dentro do título que trata das normas gerais aplicáveis ao IBS e à CBS. Ele regula uma das bases estruturantes do novo sistema tributário: a definição das alíquotas-padrão por esfera federativa.
A Reforma Tributária consagrada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 adotou o modelo de tributação compartilhada para o IBS, preservando as competências individuais dos entes federados quanto à fixação de suas alíquotas. Nesse cenário, o artigo em questão formaliza:
- A competência exclusiva da União para definir a alíquota da CBS;
- A competência de cada Estado e Município para fixar sua alíquota do IBS;
- E a competência híbrida do Distrito Federal, que atua simultaneamente como Estado e Município.
O parágrafo único do artigo ainda traz uma exceção federativa relevante: nas operações realizadas no arquipélago de Fernando de Noronha, o Estado de Pernambuco exercerá a competência municipal — devido à sua natureza administrativa específica prevista no art. 15 do ADCT.
Esse dispositivo legal é fundamental para a operacionalização do novo tributo, pois delimita os poderes de cada ente e cria as bases para a futura atuação do Comitê Gestor do IBS na coordenação do sistema, garantindo autonomia federativa sem comprometer a padronização nacional.
O que diz o Art. 14 da LC nº 214/2025?
Seção VI Das Alíquotas – Subseção I Das alíquotas-Padrão
Art. 14. As alíquotas da CBS e do IBS serão fixadas por lei específica do respectivo ente federativo, nos seguintestermos:
I – a União fixará a alíquota da CBS;
II – cada Estado fixará sua alíquota do IBS;
III – cada Município fixará sua alíquota do IBS; e
IV – o Distrito Federal exercerá as competências estadual e municipal na fixação de suas alíquotas.
§ 1º Para fins do disposto no inciso III do caput deste artigo, o Estado de Pernambuco exercerá a competência municipal relativamente às operações realizadas no Distrito Estadual de Fernando de Noronha, conforme o art. 15 doAto das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
O Art. 14 trata da definição das alíquotas-padrão dos dois tributos criados pela Reforma Tributária:
- CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) → de competência da União.
- IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) → de competência compartilhada entre Estados, Municípios e DF.
Comentando Cada Inciso do Caput (Parte Principal):
Inciso I – União fixa a alíquota da CBS
→ Essa alíquota será única para todo o território nacional, definida por lei federal.
Inciso II – Cada Estado fixa sua alíquota do IBS
→ Cada Estado poderá definir sua própria alíquota do IBS, mas essa definição será regulada em conjunto com o Comitê Gestor do IBS, conforme demais artigos da LC 214/2025.
Inciso III – Cada Município fixa sua alíquota do IBS
→ Cada Município (e o Distrito Federal, na competência municipal) também poderá definir sua alíquota de IBS municipal, de forma autônoma.
Inciso IV – O Distrito Federal fixa suas alíquotas (estadual e municipal)
→ O DF acumula as competências dos Estados e dos Municípios, então ele define duas alíquotas distintas: uma como Estado e outra como Município.
Observação – Parágrafo 1º (Exceção Relevante)
§ 1º Para fins do disposto no inciso III do caput deste artigo, o Estado de Pernambuco exercerá a competência municipal relativamente às operações realizadas no Distrito Estadual de Fernando de Noronha, conforme o art. 15 doAto das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
Fernando de Noronha (que é um distrito estadual e não tem prefeitura própria) é tratado como exceção:
E que exceção é essa? O Estado de Pernambuco exercerá a competência municipal de definir a alíquota do IBS sobre operações realizadas em Fernando de Noronha, perfazendo o que está previsto no art. 15 do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) da Constituição Federal.
Vejamos agora o que diz o parágrafo 2º:
§ 2º Ao fixar sua alíquota, cada ente federativo poderá:
I – Vinculá-la à alíquota de referência da respectiva esfera federativa, de que trata o art. 18 desta Lei Complementar, por meio de acréscimo ou decréscimo de pontos percentuais; ou
II – Defini-la sem vinculação à alíquota de referência da respectiva esfera federativa
O § 2º do Art. 14 da Lei Complementar nº 214/2025 trata da flexibilidade conferida aos entes federativos (União, Estados, DF e Municípios) para definir suas próprias alíquotas do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), conforme suas estratégias de arrecadação e política fiscal. Ele estabelece duas possibilidades para a fixação da alíquota de cada ente – para tanto vamos analisar os dois incisos desse parágrafo.
Incisos analisados:
I – Vinculação à alíquota de referência:
Inciso I – Vinculá-la à alíquota de referência da respectiva esfera federativa, de que trata o art. 18 desta Lei Complementar, por meio de acréscimo ou decréscimo de pontos percentuais; ou
O ente pode adotar uma alíquota própria com base na alíquota de referência da sua esfera federativa, conforme definida no Art. 18 da LC 214/2025, podendo acrescentar ou reduzir pontos percentuais. Isso permite um certo grau de padronização, mas ainda com margem para ajustes locais.
II – Definição autônoma da alíquota:
Inciso II – Defini-la sem vinculação à alíquota de referência da respectiva esfera federativa
O ente também pode optar por NÃO se vincular à alíquota de referência, ou seja, estabelecer uma alíquota completamente independente, de acordo com suas próprias decisões fiscais.
Observe que o parágrafo 2º reflete o modelo de federalismo fiscal cooperativo e competitivo adotado pela reforma tributária, ao permitir que os entes tenham autonomia sobre a alíquota do IBS dentro de parâmetros razoáveis. Embora o IBS tenha sido concebido para unificar e simplificar tributos sobre o consumo, o § 2º do Art. 14 da LC 214/2025 pode reabrir espaço para uma nova forma de guerra fiscal, ainda que em moldes diferentes da atual disputa envolvendo benefícios do ICMS.
O § 2º do art. 14 reabre margem para variações regionais, ao permitir que cada ente defina alíquotas próprias, desvinculadas da alíquota de referência, criando um espaço de diferenciação entre estados e municípios. Notadamente, essa flexibilidade poderá gerar diferenças regionais na carga tributária, conforme os critérios e necessidades locais, podendo ser usado inclusive como instrumento de atração de investimentos e empresas, especialmente por entes com menor capacidade econômica ou menor base tributária.
Podemos então inferir que o § 2º do art. 14 sugere um risco de guerra fiscal? Sim, muito provavelmente o risco existe, mas em “nova roupagem”. Não se trata mais de conceder benefícios setoriais “escondidos” como no ICMS, mas de manipular a própria alíquota como instrumento competitivo. Um município ou estado pode deliberadamente reduzir sua alíquota do IBS para atrair contribuintes, gerando efeitos assimétricos sobre a arrecadação e gerando reações em cadeia.
Mas afinal, existe algo que poderia ser feito para mitigar esse risco? Sim, o Conselho Federativo, previsto na Constituição, pode exercer papel regulador, promovendo transparência e limites às práticas desequilibradas. Concomitantemente, a incidência no destino mitiga parte do problema, pois a arrecadação principal ocorre onde se dá o consumo, e não onde está o fornecedor. Além disso, o Art. 18 (alíquota de referência) ainda serve como baliza para comparabilidade, mesmo sem ser obrigatória.
Conclusão Prática
O art. 14 da Lei Complementar nº 214/2025 aqui analisado e comentado, reforça o modelo federativo descentralizado do IBS, isto é, cada ente define sua própria alíquota-padrão. Isso exige forte coordenação nacional, o que será feito via o Comitê Gestor do IBS (também tratado na LC 214/2025). Na prática, cada nota fiscal com IBS poderá envolver três alíquotas combinadas: estadual, municipal e do DF, a depender do local da operação.
Mas ao mesmo tempo, abre margem para o risco de uma nova guerra fiscal, agora baseada na alíquota do IBS, e o § 2º do art. 14 deixa isso perceptível. A diferença é que essa disputa será mais transparente e, em tese, limitada pelo modelo de incidência no destino e pela atuação coordenada via Conselho Federativo.
Moises R. Coimbra é formado em Administração de Empresas pela Universidade Ashworth College nos EUA, Contador e Advogado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Pós-Graduado em Auditoria Contábil pela Faculdade de São José dos Campos, MBA em Tributos Diretos (IRPJ e CSLL) pelo Grupo Educacional BSSP, LL.M em Advocacia Tributária e Contabilidade Tributária pela renomada EPD – Escola Paulista de Direito. LL.M em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pós- Graduado em Gestão Fiscal e Tributária promovido pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialização em Tributação Internacional pela ESTB (Escola Superior de Tributação de Brasília) e Especialização em Imposto de Renda das Empresas e Normas de Contabilidade IFRS – APET (Associação Paulista de Estudos Tributários).
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